gosto de saber que não sou para o vento
isso nos permite um esbarrão
antes de uma chuva qualquer
de minha parte, só sei dizer
terra, folha e raiz
num só golpe de ar
mas não sou capaz de ventar com elas
entre a terra e a folha
há o vento
entre a folha e a raiz
há o vento
e entre a raiz e o vento, há o ventre
quinta-feira, 27 de novembro de 2014
terça-feira, 25 de novembro de 2014
Poema de Edson Bueno de Camargo
toda mulher descende
da grande e primeira mãe
a mãe de terra e raízes úmidas
como fornalhas a gerar nos ventres criaturas viventes
do primeiro ao último ser que respira
traz em seu lago de sangue
o laço do cordão umbilical
e segura nossas mãos onisciente
beija nossos dedos
tal qual quando nascemos
e carrega-nos doce e leve ao seu arrego
apaga de nossa memória os pesadelos
e o passado
destrói e ponte
e torna a estrada terreno selvagem
e sem retorno
voltamos a ser fetos
presos aos afetos de quem nunca quis nos abandonar
voltamos a ser só ventres nas raízes de abetos
da floresta onde tudo começou
toda mulher descende
da primeira e grande mãe
e nos abriga entre suas pernas com fogo
para não mais retornarmos ao mundo
é como morrermos
e só muito depois
acordarmos
quarta-feira, 8 de outubro de 2014
de todas as paisagens, de todos os centros, de todas as potências há um nó não significado, um eixo não acessório mas acessível, não definível com exatidão. Preciso chegar a esse dom, a este ato de aproximar-me do nome e assim limpar o cansaço da dispersão. Estou em um quarto há muitas manhãs. O sol foi tão intenso que avermelhou minha visão. Mesmo assim continuei a ler. Continuei a buscar no texto
o aberto da leitura sem direção, algo que pudesse dar contornos à minha natureza.
Então, repouso a escrita sobre outros livros, tenho um caderno dentro de outros cadernos.
Haveria de autorizar-me a assinar um livro, que nesse tempo não se diferencia de jardim, cidade ou janela.
Que os ventos me perdoem por desejar ser "aquela que escreve", de possuir a casa, de desejar estar acompanhada por aqueles que "despertam a minha natureza".
Não quero desejar, mas desejo.
Sonhei um dia que seguia a máquina de entoar palavras com a força de dobrar a esquina;
Sonhei um dia em ser o silêncio de uma casa simples, de chão batido, a comer pão com molho e café na caneca de alumínio;
Sonhei um dia em não desistir do chão do sacrifício.
Mas as coisas são tão coisas que me inviabilizo. Agonizo em sentidos absolutos.
Se posso pensar na palavra livro,
cabeça, tronco e membros,
vou ao rio descalça,
sofrendo com o frio das letras,
que as palavras desse nome sejam para sempre o seu mistério, vida primeira
Livro de páginas,
páginas paisagens
o aberto da leitura sem direção, algo que pudesse dar contornos à minha natureza.
Então, repouso a escrita sobre outros livros, tenho um caderno dentro de outros cadernos.
Haveria de autorizar-me a assinar um livro, que nesse tempo não se diferencia de jardim, cidade ou janela.
Que os ventos me perdoem por desejar ser "aquela que escreve", de possuir a casa, de desejar estar acompanhada por aqueles que "despertam a minha natureza".
Não quero desejar, mas desejo.
Sonhei um dia que seguia a máquina de entoar palavras com a força de dobrar a esquina;
Sonhei um dia em ser o silêncio de uma casa simples, de chão batido, a comer pão com molho e café na caneca de alumínio;
Sonhei um dia em não desistir do chão do sacrifício.
Mas as coisas são tão coisas que me inviabilizo. Agonizo em sentidos absolutos.
Se posso pensar na palavra livro,
cabeça, tronco e membros,
vou ao rio descalça,
sofrendo com o frio das letras,
que as palavras desse nome sejam para sempre o seu mistério, vida primeira
Livro de páginas,
páginas paisagens
quinta-feira, 2 de outubro de 2014
Estive ausente na aula da terceira pessoa do plural.
Parei no “Vós”. Gostei tanto do vício de dar corpo ao
incorpóreo, a tudo o que chamamos de Vós, vós ou voz que me distraí do que
viria a seguir,
Aliás, o “Nós” e “os nós” também me fisgaram. Não porque têm
sentido, mas porque sentidos me são doados ao conjugá-los,
Mas, “Eles”, confesso que não sei o significado. Volto sempre
ao início e passo a fundi-lo com a primeira pessoa do singular. Emito um EULES. Somando todos Eles a um Eu.
E soa impróprio terminar assim.
quarta-feira, 30 de julho de 2014
quinta-feira, 24 de julho de 2014
Embora não conseguisse dizer nem bom dia em liberdade,
Ângela soltou um ruído em muitas vozes. Três ou quatro ao mesmo tempo.
Era uma manifestação multivocal que os animais não reconheciam. Ficaram à espreita.
Alguns disseram que era o exercício antes da palavra, outros diziam que era o fundo musical debaixo da pele de todas as coisas
quando decidem levantar seus corpos à superfície.
Pela reação do asfalto, eu diria que ela só estava tentando dizer: Ingá, a grande raiz.
Ângela soltou um ruído em muitas vozes. Três ou quatro ao mesmo tempo.
Era uma manifestação multivocal que os animais não reconheciam. Ficaram à espreita.
Alguns disseram que era o exercício antes da palavra, outros diziam que era o fundo musical debaixo da pele de todas as coisas
quando decidem levantar seus corpos à superfície.
Pela reação do asfalto, eu diria que ela só estava tentando dizer: Ingá, a grande raiz.
sexta-feira, 18 de julho de 2014
hoje o dia cresce
a cidade inspira
há ventos por todos os lados e não há homens a serem salvos
não há homens verdadeiros ou falsos
há senhoras saindo do mercado com suas violetas
hoje a cidade cresce
porque um homem cresce
suas palavras não se comportam mais como espirros no ar
tudo está perto
e respira tanto fora de si
que seus olhos compreendem
o mundo nunca nasceu
a cidade inspira
há ventos por todos os lados e não há homens a serem salvos
não há homens verdadeiros ou falsos
há senhoras saindo do mercado com suas violetas
hoje a cidade cresce
porque um homem cresce
suas palavras não se comportam mais como espirros no ar
tudo está perto
e respira tanto fora de si
que seus olhos compreendem
o mundo nunca nasceu
sábado, 7 de junho de 2014
da experiência religiosa, pecado é a palavra mais presente. Não por que metia medo ou me enchia culpa. mas porque convivia entre a gente. adorava ver o padre com os olhos vermelhos de vinho, enrolando a língua na leitura; tinha também o casal correto que, na quermesse, deixava escapar gritinhos e tapinhas na bunda, e o coroinha de unha preta, que fazia fogo no parque pra queimar lagartixa antes da missa. Hoje, quando enfio a linha na agulha e inicio um bordado, a única palavra da qual me sinto livre é impecável.
Só porque não se sabe bordar é que se borda.
E isso nos torna tão próximos do pano de chão como do lençol.
Só porque não se sabe bordar é que se borda.
E isso nos torna tão próximos do pano de chão como do lençol.
quarta-feira, 4 de junho de 2014
quinta-feira, 22 de maio de 2014
segunda-feira, 19 de maio de 2014
a última maçã da fruteira
escorregou pela porta ontem
fazia um trabalho de chuva
rolou na rua, derretia nos buracos
não pude segui-la, ventava tanto
mas eu também senti o calor
da voz da água comendo o estado semente da maçã
casca no possível do nascer
era de saciar toda a gente
e pelas paredes podia-se ouvir
- terra fervente debaixo do asfalto-
escorregou pela porta ontem
fazia um trabalho de chuva
rolou na rua, derretia nos buracos
não pude segui-la, ventava tanto
mas eu também senti o calor
da voz da água comendo o estado semente da maçã
casca no possível do nascer
era de saciar toda a gente
e pelas paredes podia-se ouvir
- terra fervente debaixo do asfalto-
domingo, 18 de maio de 2014
O Livro Sagrado é do ramo do tecido. Ele contém um inventário das sementes e animais que dão origem ao fio e ao tecer. Há nele um capítulo das mulheres esquimós que mascam a pele de urso para amolecer a trama e vestir.
Em outro capitulo, Slava Polunin compõe uma casa de retalhos.
E há, ainda, o dia em que abracei a janela pela primeira vez,
solta
nos farrapos da cortina.
Em outro capitulo, Slava Polunin compõe uma casa de retalhos.
E há, ainda, o dia em que abracei a janela pela primeira vez,
solta
nos farrapos da cortina.
sexta-feira, 16 de maio de 2014
sábado, 10 de maio de 2014
sexta-feira, 9 de maio de 2014
a escrita não é mais um exercício diário, deixou de contornar o pensamento ou inventar modos de anunciar o porvir. Vez ou outra aparece no timbre da voz. Vez ou outra se oferece no rosto.
Olhou para cima e percebeu que arrumar as telhas da casa arruinaria o dia.
A escrita vai para onde se sente viva.
Cão que esqueceu de dormir e se põe a latir mais que seu latido, a pedido da noite.
Olhou para cima e percebeu que arrumar as telhas da casa arruinaria o dia.
A escrita vai para onde se sente viva.
Cão que esqueceu de dormir e se põe a latir mais que seu latido, a pedido da noite.
sábado, 18 de janeiro de 2014
Abri a porta porque,
dentre outros desejos, escutei a frase: podemos contratar mão de obra
barata e formá-los, assim eles vão ficando com a nossa cara. Após alguns anos,
tive que me dar conta de que eu era a mão-com-obra-de-barata. E este é o pano de fundo de muito chão que piso. Transitar de um lugar ao
outro sempre à espreita de um chinelão a me cutucar.
É preciso educar as baratas. Elas
respondem. Uma vez, aquela massa inadequada e desajeitada aos poucos foi tomando
a forma que se sonhou. Há quem acredite. Mas, pra forjar tanto assim é necessária certa distância do próprio fosso e repetir as mesmas rotas. É aquele dia em que o metrô está sempre na mesma estação.
Acontece que a minha cara sempre
foi esburacada, mesmo antes das espinhas romperem. Sempre tive espaço em branco
para preencher com o que fosse mais adequado na ocasião. Sem perceber. Um colar
de sementes ou um lenço amarrado, a meia colorida num vestido assimétrico ou os
óculos azuis num corte radical de cabelo. Passei com nota mediana em todas
as provas, mas passei. Pude até ter sobrenome.
Mas o buraco sempre aparece. E
foi exatamente nele que tropecei agora. E não é um furo que estou a comunicar ou
dar notícias da impossibilidade. Não, a minha mão-de-obra-com-baratas não está
a pesquisar nenhuma novidade nem decorou nenhuma citação para embutir nesta
frase. Minha mão de barata apenas olhou para sua própria obra, que já estava
lá, fechada, nos passos da História.
sexta-feira, 17 de janeiro de 2014
vão entrar na sua casa limpando os sapatos, sentarão nas cadeiras e passarão o tempo a folhear os livros e as conversas,
vão entrar no seu corpo, ocupar as paredes com instruções de um abraço e sugerir a comunicação de teus pés com o chão,
vão te dar as palavras criação e educação para que não pare de respirar
e você inventará uma sequência delas para conseguir sair do sufoco: agenteprecisadeconvivência
passará a dar a mão aos inventores e aos ressoadores
aos poucos teu gesto estará suficientemente respeitável
e poderá partilhar seus sonhos em qualquer mesa de refeição
vão entrar no seu corpo, ocupar as paredes com instruções de um abraço e sugerir a comunicação de teus pés com o chão,
vão te dar as palavras criação e educação para que não pare de respirar
e você inventará uma sequência delas para conseguir sair do sufoco: agenteprecisadeconvivência
passará a dar a mão aos inventores e aos ressoadores
aos poucos teu gesto estará suficientemente respeitável
e poderá partilhar seus sonhos em qualquer mesa de refeição
segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
sexta-feira, 10 de janeiro de 2014
Está calor, posso ver. É a luz mais aberta que já vi. No entanto, respiro gelado. Só se escuta a areia levantada em vento. O corpo não consegue seguir ereto. É visto. Há um único caminho:
-seguir em direção oposta ao mar-.
A mulher que vivi diria: Deserto.
Mas o que escorre não pode ser limpo.
Quanto mais longe do mar, mais próximo da luta. A vegetação corta. Sutileza de um chicote. Não me importo em sangrar.
É tão seco que jorra. É tão seco que brota.
Andar agora é arrancar dois pés do chão.
-seguir em direção oposta ao mar-.
A mulher que vivi diria: Deserto.
Mas o que escorre não pode ser limpo.
Quanto mais longe do mar, mais próximo da luta. A vegetação corta. Sutileza de um chicote. Não me importo em sangrar.
É tão seco que jorra. É tão seco que brota.
Andar agora é arrancar dois pés do chão.
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