quarta-feira, 30 de março de 2011

Antonio Ramos Rosa

Estou vivo e escrevo sol

Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol
Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol
A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida
Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maraviha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde

sexta-feira, 25 de março de 2011

Como um corpo salgado de tanto escavar a luz
sinto que transitas
passas apressado, a folha cai
uma voz cristaliza-se na janela

Por aqui as abelhas vivem para tocar trombetas
abrem os ouvidos em soluços e solstícios
na procissão de flores suicidas ao mar
encontro o lugar da montanha onde a neve pára

neste aconteço de perder e achar
é bem mais perto meu lugar de risco

quinta-feira, 24 de março de 2011

Roberto Juarroz

Cada poema faz esquecer o anterior,
apaga a história de todos os poemas,
apaga a sua própria história
e até apaga a história do homem
para ganhar um rosto de palavras
que o abismo não apague.

Também cada palavra do poema
faz esquecer a anterior,
desfilia-se por um momento
do tronco muitiforme da linguagem
e reencontra-se depois com as outras palavras
para cumprir o rito imprescindível
de inaugurar outra linguagem.

E também cada silêncio do poema
faz esquecer o anterior,
entra na grande amnésia do poema
e vai envolvendo palavra por palavra,
até sair depois e envolver o poema
como uma capa protectora
que o preserva dos outros dizeres.

Nada disto é raro.
No fundo,
também cada homem faz esquecer o anterior,
faz esquecer todos os homens.

Se nada se repete igual,
todas as coisas são últimas coisas.
Se nada se repete igual,
todas as coisas são também as primeiras.


Roberto Juarroz, In Poesia Vertical
(trad. Arnaldo Saraiva)

quarta-feira, 23 de março de 2011

O nome Ângela pede um chapéu logo em seu início.
Sempre escolhi utilizá-lo sem acento, deixando-o à condição de acessório, que se junta ao principal.
Preferia deixar a coisa principal em repouso.
À medida que o próprio, específico e originário se instalava, percebi que é inútil viver sem
Desequilíbrio.
O acento deixa Ângela enfática. Pende para o começo, põe o topo da cabeça no alto.
E o chapéu acompanha o desenho do A.
Signo de estado em felicidade: Â.
Poderia usar  como ponto de exclamação.
Dois pés cravados no chão e uma cobertura na cabeça.
O chapéu é palavra de horizonte. Traz a orla da praia, brisa leve, horizonte marítimo. Como se chamasse a ventania para soltar-se a ela.
Meu pai sempre escreveu meu nome assim: Â N G E L A.
E eu sentia vergonha dessa evidência. No entanto, eu sabia, ÂNGELA é a boca de uma criança sorrindo na praia.

terça-feira, 22 de março de 2011

Damião Experiença

pedra de desentoxicação

http://www.youtube.com/watch?v=KziyCC_nP9E&feature=related

terça-feira, 8 de março de 2011