sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

o tempo não muda
o tempo não cura
curva
curva
e às vezes
pára

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Aula poema em Belo Horizonte

o bordado, o tecido...
é de texto que se trata







bordar a intensidade do afeto
a última nitidez antes da palavra

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

VOLVER O TEMPO DA GRAÇA


VIVER EXPOÇA

sábado, 23 de novembro de 2013

língua infância (ontem no metrô)

- No céu tem carrocinha, mãe?
- O que você tá dizendo, menina?
- Carrocinha de levar cachorrinho, mãe, tem né?
- Não sei não.
- O Jesus não tem uma carrocinha no céu pra levar os cachorros embora?
- Não, menina, Jesus não faz nada disso, deixa ele quieto.
- Ah, então não foi o Jesus que pôs minha cachorrinha na carrocinha?
- Eu já te disse, menina, sua cachorrinha morreu.
- E o que é morrer, mãe?
- Morrer é ser atropelado. Sua cachorrinha foi atropelada.
- Por um carro preto?Você tirou foto mãe? Por que você não tirou foto da minha cachorrinha atropelada? Você tira foto de tudo, mãe...
Que bobagem menina, não sei a cor do carro.
- Então era amarelo! Era amarelo, né, mãe?
- Para de ser boba! Já disse que não lembro direito o que aconteceu.
- Mas eu sei o que aconteceu, mãe. Foi o dono da creche, né? Foi o dono da creche que atropegou minha cachorrinha.





segunda-feira, 28 de outubro de 2013

sábado, 26 de outubro de 2013

águas são todos os dias
e se uma fruta explode no caminho
eu só posso dizer: semente
nunca antecipá-la
nunca ler sem antes abrir os olhos nas águas
pele vocacionada
dos dias

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

entre o estreitamento e a bússola vital
ressoou
era um deus se chamava diapasão

terça-feira, 15 de outubro de 2013

à espera
do dia
estirado
na pele
bem-aventurados os alucinados, porque deles será o real
bem-aventurados os desiludidos, porque neles o pensamento se fará humano
bem-aventurados os corpos que morrem, porque deles será a sensualidade do invisível
bem-aventurados os desesperados, porque deles será a restante esperança
bem-aventurado sejas tu, ó texto, porque nos abres a geografia dos mundos
bem-aventurada sejas tu, ó Terra, porque tua será a explosão que levará o vivo a todo o Universo (LLANSOL, ATJ, 146-7).

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

há dias tenho sonhado com meu irmão e, quando acordo, abraço o rosto da palavra morte.
foi ele quem me deu a mão para entrar. hoje tenho um acúmulo de plantas, quatro paredes e um ajuntamento de animais

gostei de nascer

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

A NOITE


A noite, o que significa verde, tons azulados e este pouco
vermelho muito escuro que, irregular, corrói por baixo a página.
Escrevo, apressadamente, a palavra charco, a palavra estrela.
Escrevo nascimento.Escrevo pastores e reis. Escrevo que quebro
uma lâmpada e que agora está escuro.

Yves Bonnefoy

terça-feira, 30 de julho de 2013

nada mais dormente que a leitura sem corpo,
nada mais suspeito que a posse de um corpo ----------------
nada mais vidente que a pele
a chance de dobrar, involuir, tremer, -meudeus-
-nada mais tocar que não seja pele- 
fica imenso demais-
lá, onde o buraco, a porta e os olhos se carnam

sábado, 27 de julho de 2013

"um eu é pouco para o que está em causa" (MGL)

sexta-feira, 26 de julho de 2013

eu queria dizer que tudo o que é aberto tem um nome
as palavras que terminam em s;
os pés voltados para fora;
a caneta manchando a colcha. Aquele resto de vinho
eu queria escorrer com o aberto,
pelo nosso nome, pelo pão
para a terra onde o trigo não se detém
em nome do pão do aberto


quarta-feira, 24 de julho de 2013

hoje, começo a primeira destruição do edifício: a letra A
se conseguir caminhar sem muletas, porei abaixo a letra N
se conseguir andar sem medalhas, derrubo a letra G
às letras restantes darei o presente impossível : 
o tempo que resta.



terça-feira, 16 de julho de 2013

e, se vejo o bicho como bicho não serei eu um bicho também?
Mas, se o outro que estou a olhar não vejo como humano,  e sim como uma onça a atacar-me no próximo ato, não serei eu
o pequeno porco assustado da história?

presente Llansol


textualidade de Lucia Castello Branco


palavra-trabalho


domingo, 14 de julho de 2013

A noite grávida
o dia, a entranha, nossa fala, grávidos

acontece e não tem volta
essa fome do agora

sexta-feira, 5 de julho de 2013

segunda-feira, 1 de julho de 2013

-

dois dias de chuva
e minha pele em pleno sol
não sei porque este corpo não se molha
se é amor ao descompasso
ou temor da comunhão

sexta-feira, 28 de junho de 2013

língua em alto mar
nada mais que o desejo

sexta-feira, 7 de junho de 2013

faz tanto amarelo no aberto
que preciso olhar um pássaro para falar

sexta-feira, 10 de maio de 2013

uma palavra em
baixo da
outra

página
a
página

aos poucos a
parte de cima
distancia-se
da parte de
baixo

verticaliza-se
a fala
o pensamento
-ascese-

e o sonho corre solto nos braços da horizontalidade

quinta-feira, 9 de maio de 2013

A cebola só se des
dobra em es
feras se cortada ao meio

A saída.
Do Homem.

Acostumado a mijar
em tudo que um dia
chamou
de fora.

terça-feira, 30 de abril de 2013


Os instrumentos mais importantes para a vida do homem são: a talhadeira e a marreta. Não é preciso muito esforço para perceber que o desafio da fome é nascer de dois pais. Um que enfiou a cara no chão e o outro que ergue-se dele.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

escrita misturada de água e rastelo de jardim. Meço a temperatura do sol na folha, se a sombra de um pássaro ou de uma mosca alteram as coisas do alto. Olhar para a árvore é sozinho que se vai.
Uma leitura que te deriva do vazio. Para manter os pés quentes. Eis a exigência da fronte.
Pés frios emudecem

terça-feira, 16 de abril de 2013


Ao demorar-me nos olhos de um humano e sustentar uma fome de rocha serei capaz de sorver o mar. Creio que é isso que os homens de religião querem dizer quando encostam na palavra ressurreição. 
hoje quando acordei duas palavras espirraram da minha boca   - verde raiz-
lembrei de ter escutado de alguém que tudo o que falamos se propaga em ondas sonoras até o infinito, pois não há barreiras para bloqueá-las. Fico pensando que -a copa da árvore- dita pela primeira vez por Llansol deveria estar passando por aqui e convocado o -verde raiz- a sair do silêncio para se enroscarem e se perderem uma vez mais.

sexta-feira, 12 de abril de 2013


Da primeira vez que eu plantei tomate, 
ia no canteiro e me espantava com a folha, recortada, tinha cheiro do fruto,
Da segunda vez, cresceram pequenos. Deixei-os na pia para olhar e contar meu feito,
Da terceira eram maiores, e, de tanto, pegou praga, os bichos consumiam as folhas. Comi. Mas tive medo. Tão quente, tão doce.
Nunca mais tive coragem de plantá-los. Era gente.


segunda-feira, 8 de abril de 2013

ouvi no passado: somente os curados é que podem salvar os enfermos.
Mas hoje se diz: somente os que estão em cura é que sentem a dor do outro.
Enfermo com enfermo é território
E os que se dizem curados,
estão a desenhar silenciosamente a próxima ferida




2 horas desacordada
e a renascença em Béla Tarr,
primeira cena do filme As Harmonias de Werckmeister
todo vivo tem uma órbita própria
esta é a imortalidade. Girar em torno de si. Apenas
para completar a volta do sol
e não atrapalhar o esforço da lua


terça-feira, 2 de abril de 2013

do quarto de Mafalda Saloio, Alfama, Lisboa.


hoje acordei sem distância da noite, ela velejou comigo em direção à janela. Deitei com o rosto na bacia amarela e, ao me levantar,
meu rosto era o próprio sol.
Sorrimos
 toda energia que se dissipa é amor.

quarta-feira, 20 de março de 2013

estou cada vez mais próxima desse ato de amor da luz no vaso de flores, ou a colcha de retalhos em tom ameno, breve e recluso de lucidez. percebo que há furos nos espaços da lembrança, nos seus significados de companhia. no entanto, eles me pertencem. agora sou mais branco que linha.
vejo os ossos da terra erguerem um abraço
e tranquilizo-me.

sexta-feira, 8 de março de 2013


O melhor jeito de amar
é não entender uma frase
e levantar a cabeça,
até que seus olhos possam ouvir
demoradamente,
cada fome de luz, roubada da terra,
acumulada em som.
"Assombroso não é as asas que nos podemos formar, mas que elas comecem a se formar nos outros, e que as vejamos implicadas em voltas e camadas sempre mais profundas, como as de uma larva enrolada e aderida firmemente ao tronco de uma árvore, e que enfim o peso da própria Terra pareça curvá-las e conter  seu prometido vôo, de modo que elas talvez só se abram para dentro, em chamas."

Paulo Neves

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

deixar de fazer para o outro apenas o que meu coração solicita

terça-feira, 22 de janeiro de 2013



Aquela hora foi a mesma, afastada das grandes coisas, despreocupada com o remendo do mundo e tomando gosto pela parte furada, o chão trazido às espécies para não funcionar, passando o dedo na palavra até ela dançar, borrando no caderno um espaço de vida.

“Tenho medo”- disse-lhe algo. Mas que futuro se fermenta hoje? O quanto podemos falar das meias na calmaria da mesa a entregarem-se ao sono do urso?

Por isso ela desce agora de sua casa inconclusa, na soleira do cabelo solto. Nobre.

“Há muito a ser feito”. Para um dia olhar a janela e não ser aquela do poema.

Falar, se houver necessidade de falar-lhe.

O sentido e a flecha na folha, no dia em estado roxo

O olho socado na parede, por um golpe de beleza: rosto de porta aberta.

Encher toda a testa de luz o quanto o caule dessa flor aguentar e depois partir para descer em cascatas febris, -do nariz ao por-do-sol- sem qualquer distância relevante. Sendo o maior porta-retrato da terra, rasgado por um abraço:

A luz de não comer a vez de alguém. Dai-me. O rosto tirado da argila. Na margem do erro.

Todas as esculturas virando carne. E toda a carne virando escultura.

A decadência de repetir-se na falha de nascer:
Esse jogo de querer, a qualquer medo,
                                                 Amar.