quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Llansol

da mulher que aos poucos deitou a rotina do dia em escrita,
trago notícias
do tempo em que ver era
a amizade entre o milagre e a espera
eu te traria nos braços, amor
se a certeza não fosse uma criança veloz
é madrugada
e meu corpo vai traindo-se em direção ao feto
nossos olhos não se tocaram
e ela me responde em fotografia:
"-estás na metade do diálogo.
haverá que colocar teu campo de escrita nas costas:
sairá sem ti
voltarás sem ti
e a musculatura do encontro irromperá a folha."
era tarde,
Arseni pediu a Andrei um copo d'água.
Andrei ergueu sua alma de osso e ofereceu ao pai duas perguntas:
- Estamos a conversar?
- O que tens cultivado no poema?
Arseni deitou a água em sua espinha e repousou o sapato ao sol.
Sua noite
saciava a sede do filho.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Tarkovski pediu minha mão e disse:

é que o poeta ainda não subiu no segundo degrau da imagem
por isso seus pés soam tão leves ao chão

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

um novo romance- em capítulos-

-uma estranha vontade de usar o que tenho-
-a mulher que morri-
-é para isto que vim-
-erguer a cabeça para fora da lama e...-
-um raio de beija-flor azul marinho-
-tenho vontade de instalar-me-
-a escrita era meu pássaro-
-eis a estética do provável-
-não chamarei de mistério, o mistério
-é a saída para o homem que não dorme-
-este capim não se entrega facilmente à água-
-porque és liberto, jardim-
-o que fazer com as sementes na boca-
-olha a sobra da tinta na parede e pensa: um quadro fora pintado ali-
-pois cultivo aquilo que não sou nem feminina nem masculina-

por hoje, e por nós

"não tinham lido Bernanos mas sabiam desde o berço que quem
é rico explora, quem explora torna-se esperto,
esperto e explora fundem-se em experto, perito,
quem se torna perito não acede ao conhecimento mas às tripas
dos pobres,
quem as tiver na mão tem praticamente todos os valores que
contam,
com esses valores é um jogo de oportunidades transformá-los
em bens onde não é visível qualquer rasto de sangue. Não faltam
profissões de peritos para transformar esse elo em elo perdido.
Desaparecem rastos e provas." Maria Gabriela Llansol

Os cabelos, as mãos, as partituras da imagem

Tarkovski estava dormindo e me pedia um caderno. Dizia para que ficasse mais em casa, mesmo quando na rua,

Cuidando da cor dos meus olhos

Ele se mostrava e se escondia.

“O mundo não virá até você”, dizia. Sustenta as imagens e as palavras em si, retira delas o seu “i”.

(na partitura da outra infância, infância da sobra de um contorno)

Nela, o pai ajuda a dividir.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Escrevo sentada para a morte
Após o terceiro dia, a casa empedrada apontava para
o cheiro do leite, a alimentação recém nascida que segurava o sono masculino
virtude e tempo molhado contaminam-se
há frio nas casas e pergunto se é apenas isso o poema
escrevo ameaçada de morte
apenas isso
enquanto a senhora da luva azul insere uma meia em cada frase
era lúcida a nossa conversa de lã
o poema e a morte estão por um triz
a noite masculina de blusa azul
divide com os pássaros a metade de uma conversa
há quanto tempo não dormimos numa certeza?
o coágulo amordaçado no quarto
a espera de um futuro
entorna o leite do poema

dái-nos a luva azul, senhora
para tocar no frio na letra, ò mãe

segunda-feira, 14 de novembro de 2011


(foto de Camila Peixoto)
















Orfã no Cemitério, Delacroix

uma casca, um telhado ou um poema

luta pelo destino da página
escreve com a boca de uma criança
perfura a fruta no desejo do pássaro
interroga o sexo das flores
e diz à chuva: não apavore nossas casas.
A vida precisa remar.
o punho vai firme à página- completam-se. Sinto que posso continuar.
"Mas há o perigo de se amassar o crânio de uma criança" - disse-me.
- Pergunto: e de que doença sofreria aquela mulher que chorava com os cabelos a teus pés?

Ele responde: "Sinceridade, esta recém-nascida"
era terrível
e, no entanto, fomos
arrancar as flores sem raiz
e plantar cabeças inchadas no fundo da terra

pois crescer era colocar a frase solta no branco da página
encontrar a solidão de romper o próprio solo

domingo, 13 de novembro de 2011

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

esta noite aconteceu algo estranho: sonhei que estes olhos não eram mais iluminados. minha vontade não fazia sombra. e ver um objeto era junto à palmeira, ao úmido da seiva e sair de um sono.
Foi a melhor terra que já vivi.