quarta-feira, 30 de maio de 2012

porque amo LLansol


De dentro da bacia de prata carregava a tinta azul que encobria meu rosto matriz

a impregnar lençóis brancos, a parede branca e o outro que encontrasse. Uma mancha desforme impressa. Borrão azul e identidade.

Llansol ofereceu-me uma toalha dizendo: Limpa a tua face.

Eu disse-lhe: não é chegada a minha hora.

- Há uma única diferença entre o beijo e o poema.  O beijo pode ser dado mais tarde,
O poema                                                           .É de hoje que se trata.

do aparato dentário para a mordida, que contenha o quente do suor.
da palavra escolhida na palavra herdada, do anúncio nos olhos da denúncia,
a confiar-se numa fina abertura do tecido no imenso da terra.  deste sim. em pequenas letras,
que traz para perto do corpo o animal a nascer.

O encontro escreve poemas,
dá forma ao abraço do aéreo,
e ao beijo de amanhã.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Era um dia de fome. Abri a sacola e encontrei o rosto da antecipação. Ocupava o lugar do pão. Era Ele. Um deus pesado demais. Saciado sem que eu mastigasse. Escorreu pelo canto da boca uma ausência. Véspera que empurra para frente o próximo chão.
O caminho


Numa noite escura, caminho adentro

Os discípulos iam assustados de abandono

E foi então que se aproximou um homem e lhes perguntou:

-Porque é que vocês estão tão tristes e se lamentam?

Eles responderam:

- Ora, você não sabe que o nosso mestre foi assassinado?

E foram lado a lado, a conversar sobre os últimos acontecimentos. Falaram das mulheres batendo no peito, de suas crianças crescendo em metáforas e os animais a urrarem de sede.

Ao chegarem perto do vilarejo, o desconhecido ensaiou em despedir-se, mas os discípulos disseram:

- Fica conosco, há comida para todos.

E, aceitando, sentou-se com eles e partiu o alimento.

O gesto daquele homem inaugurou o gesto do homem do homem e repetiu-se em claridão.

Foi então que perceberam. Dizendo:

- E por acaso enquanto ele caminhava conosco, não sentíamos o nosso coração arder?

terça-feira, 15 de maio de 2012

Entrava no poço compacto e o coma-da-mão abria-se para o excesso
Era universal aquilo que comia
De uma conversa sem arco a cidade rasgava-se
O ponto-poente puxava a linha tensa
Para um tropeço ainda maior
Foi aí que aprendi a fazer a bainha da saia

Rente ao chão, na possibilidade de crescer

quinta-feira, 10 de maio de 2012

caminhar para a morte mas na direção contrária

todos os dias dom helder levanta-se do chão de mármore e caminha até o pátio

posiciona-se diante da rosa dos ventos  e pede passagem

para onde este homem deseja ir? E nós, que nos movemos por entre os textos inteiros,
o que faremos diante dos fiapos?

é junto de seu corpo que a palavra quer

é junto de sua palavra - pobre demais-

que a língua goza

 ao pertencer
.".. eu até preferia não ser "escritor", mas ser aquele que consigna em texto a sua experiência, para que ela fique sobre esta Terra e possa ser ligada à experiência de outros"

Maria Gabriela LLansol

segunda-feira, 7 de maio de 2012

"um animal convertido, enrolado em bola, voltado para o outro e para si, uma coisa em suma, e modesta, discreta, próxima da terra, a humildade que sobrenomeias, assim te transportando para o nome além do nome, ouriço catacrético, todas as flechas eriçadas, quando este cego sem idade ouve mas não vê chegar a morte." j. derrida, che co's è la poesia?

sexta-feira, 4 de maio de 2012

pode-se
raspar com os dentes o verniz sob a mesa, comer os pedaços da tinta, cavar a madeira com cuidado para não entrar fiapos debaixo da unha, lamber o produto que lustra a superfície

porém,

o olhar dos animais debaixo da mesa
jamais será servido ao jantar.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Escreve-se esparsamente. Aprende-se na aula: o que é, como e quando. Afasta-se ainda mais do tempo bruto. O anel desloca-se. Os que se participam já se conhecem anteriormente.
A poesia hera. Único gesto orgânico. Eis que te pede para retirá-la do curso normal do papel.

Entra a mulher sem brincos no olhar e vê teu caderno minúsculo
A derrubar-te em cachoeira
Passa a mão no texto, o falo da escrita
Faz morrer o gelado do gozo

 São três senhoras
 E uma pergunta: porque te penduras num relicário
se duvidas da qualidade da luz?