terça-feira, 27 de julho de 2010

uma laranjeira velha
por ela
haveria mãos
a tocar nesta manhã
e, de respirar em respirar,
encostar no chão
a escolha visitada
dobra do tempo
de uma voz despontada

sexta-feira, 23 de julho de 2010

a gaveta, um metrônomo
maleta com recibos
diapasão
óculos quebrados, caixinhas de guardar
lupa
tecla de máquina de escrever
corda de violão
bolsa de guardar documentos, feche enferrujado
fusível
caneta sem tampa, pilhas soltas
chaveiro com canivete
separador de moedas, pequenas lanternas
cortador de unha, nivelador
faca
selos perdidos, pregos dobrados
óleo de máquina
grafite em pó
ratoeira desativada
solda
fita de torneira, braçadeira
cola seca, dinheiro antigo:
e o molusco atravessa a ponte

terça-feira, 20 de julho de 2010

se a primeira dobra da esquina te chamar
e de lá aceitares partir de um porto ao outro, junto ao vento que se desenha no chão
e confiares teu corpo às figueiras altas de densas palavras,

verás que haverá luz para um olhar e uma parede branca para fazer o Vazio
como se tua presença pedisse um som. A tua presença plena que ouve.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

é esta vontade de cantar
ser duas e ser todas
que estoura os vasos
esculpe a luz latejante
e alarga as margens do fim

é esta
a hora de cantar
ser cingida pela terra inteira
arrastada pela mão de uma argila móvel
ser bandida
ser paisagem

terça-feira, 6 de julho de 2010

assim começa:
coiote assumindo a cólera
camelos entoando o canto
noite e menina de amarelo
coexistindo

o início chega à porta
entra nas dobras da pergunta
põe moldura nas soleiras
avança a febre do inverno

punhal cravado na parede:
é o instante que vem

domingo, 4 de julho de 2010

Roberto Piva

Sim, há alguma coisa em saturno que não conheço.

sábado, 3 de julho de 2010

exercícios poéticos I






fotos Camila Peixoto

o poeta

Como um cão, corre-lhes os domínios, detendo-se aqui e acolá; arbitrário em aparências e, no entanto, incansável; sensível aos assombros do superior, mas nem sempre: pronto para ser instigado, mas difícil de ser contido, é impelido por uma depravação inexplicável: em tudo mete o focinho úmido, nada deixando de lado; volta atrás, recomeça: é insaciável; de resto, come e dorme, mas não é isso que o distingue dos demais, e sim a inquietante obstinação em seu vício- esse gozo interior e minucioso, interrompido pelas corridas; assim como nunca se sacia com o que tem, também nunca o obtém rápido o bastante. Dir-se-ia mesmo que aprendeu a correr apenas para satisfazer o vício de seu focinho. p. 16. Elias Canetti, A Consciência das Palavras.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

habito um lugar
que não tem tempo
de morrer
inacabada superfície
encontra margem a margem
seu expandido início