sábado, 21 de junho de 2008

Pensar-agir

e eu que ainda sou inciante nesta viagem vejo-me totalmente inconformada com a continuidade das coisas.

Penso mesmo que o futuro de nossas sanidades mentais esteja exatamente na capacidade de ver o que se faz- tempo todo- uns olhos na ação e uns olhos no coração.
Nada será plenamente feito sem uma desconfiança de si mesmo, do que se apresenta aos nossos olhos como algo comum e corriqueiro.
Santo Deus- vejo tudo se encaixando e minha cabeça fica um maremoto de reflexoes.
Nao pára um instante sequer. E eu não tenho paz.

sábado, 14 de junho de 2008

os ombros

De um lado vê o sacrifício
de outro enxerga a festança

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Goehte

Enquanto não souberes
Morrer e voltar à vida
Seras um triste viajor
Nesta noite escura

minha pequena vida

o contador de história
fazia tao bem o seu recado
assumia tao bem a fala cantada
que a vida inteira foi sendo assim
uma frase aqui
e uma cena lá.

Das Delícias

eu adoro os homens
que plantam pés de mamão
em seus quintais
o coraçao ouve mais
a mao de quem sabe cultivar
ontem eu adorei saber da minha cegueira
disseste-me que às vezes eu não enxergava
e te digo mais: ha dias que eu também não escuto, não sinto o cheiro e não falo nada
é engraçado, mas
tudo misturou-se
entre o dentro e o fora
estou cega de você
e de mim.

ontem no consultório

fui pedir a médica ontem que cuidasse da minha pele,
que desde muito tempo é motivo de esconderijo
-quando ela me receitava
olhei suas paredes
que surpresa perceber que a especialista nas camadas do corpo
possui uma reproduçao, lisa, desbotada e sem graça
de uma marinha de Pancetti
por acaso olhou assim para meu rosto também?

sábado, 7 de junho de 2008

Mario Faustino sabia

jeitosimples

uma gota de luz em cada ouvido
nada mais seria necessário
tao simples de ser

a menina

desconhecido sabor claro e pele naturalmente fina. tao sutil é o seu jeito de estar comigo
e brinca com minhas verdades
como uma moleca desvairando a ternura das coisas.
gosto tanto tanto da sua presença e convido-a a permanecer
e ela me diz que preciso merecer
ser sua
nao é facil viver na bonança.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

oquemeemociona

prefiro sentar na minha mesa e ficar em silencio, sentindo meu espirito brotar com força. Porque o espirito brota, basta sentar um pouco dentro de si,

sobre cansaço

As vezes entro em um cansaço mais forte que minhas leituras, minhas esperanças e sofro muito. Sofro com a imagem distorcida que o espelho de minha face revela. A fala fina a todo tempo vem me pegar, mostrar na minha cara o preço que pago por nao entender a minha propria voz mais sutil. Aquela voz que nao aceita nao. Que some quando dou sinal de... fraquezas. Aquela cruel, maldita e forte, que deixei criar raizes e agora nao sei como ficar sem ela. Como é dificil permanecer na opçao pelo simples. Ha uma tristeza nas minhas atitudes e umque de sem graça na minha fala. E eu nem mesmo me suporto.
ha que se torturar ainda por muito tempo? estar aberta profundamente leveleveleve que maravilha ja sentir a verdade brotando na entrega aoo nem sei o que.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

De hoje

Eu fui escolhida
A educaçao O sagrado
conheço
o que procurava
uma mordida na luz
soprando os dias
empurrando o sonho
adiante

Domingo

Ontem eu andei e por duas vezes tropecei
noDeus
do nada

Jung

A sincronicidade.
Estar de olho do sagrado é reconhecer o preparo.
Um livro me leva a outro
Uma oraçao me traz a noticia
A graça existe a cada suspiro

Melancolia

Sim. Minhas poesias sao melancólicas. Falam de uma tristeza como configuração interna. Sem escapatória. Que dela faz parte e que se sabe irmão.
Tristeza pelo inalcansável, por saber que o encontro total com o sagrado implica no abandono vital.
Nao temos a capacidade da entrega total. Os santos sim. Os sábios também. Então, enquanto não se chega lá, é o caminho da tristeza que encontramos.
Não é uma melancolia que paralisa. Pelo contrário: uma saber do inalcansável que nos põe em marcha. E marchar é mudar as coisas de lugar, é viver, é transitar...
Vamos parar de pensar que o impossível é ruim. O impossável é a única forma de felicidade.

sábado, 31 de maio de 2008

Uma generosidade de irmao

Até agora tive a oportunidade de ler apenas algumas poesias do seu livro e quando contrastadas com os textos que escreve no seu Blog, me revela talentos que se completam, quer seja pelas profundas reflexões na defesa de um ideal de vida para si, quer seja pelo jeito simples de nos fazer enxergar formas em saber viver a vida através de seus poemas.E essa diversificação tornou-se uma refeição completa para a minha alma. É mais ou menos assim:Nos nossos “encontros” estou sempre muito faminto, ansioso por já saber o que me aguarda. Sempre peço o mesmo prato: “O do Dia”. Degusto os lindos textos como o prato principal de uma refeição, com uma demorada mastigação seguida de uma deglutição bem pausada, para que minha alma possa sorver-se de todos os nutrientes, de cada sabor advindo das mais belas iguarias contidas numa palavra, em seus ensinamentos: A Educação.Normalmente é um prato leve, mas de digestão demorada. A profundidade das reflexões torna a minha digestão muitas vezes difícil, outras nem tanto, mas sempre demorada. É que essa demora se repousa agora na absorção desse alimento pelo meu coração e minha mente. Nesse processo sinto que a massa muscular é convertida em alimento espiritual. Constantemente me sirvo desse alimento, muito embora uma refeição destas seja o suficiente para alimentar uma vida inteira. E o interessante é que quanto mais me alimento, mais leve fico. E quando estou à mesa, dou sempre uma segurada na gula e geralmente guardo um pedaço do "estômago" para a sobremesa. Vem mais por aí, e tudo se completa em perfeita harmonia. Passo para a doçura dos poemas "manufaturados" com extrema sensibilidade e simplicidade ímpar que resultam num autêntico manjar: O Sagrado. Essa doçura metabolizada pela alma se converte em verdadeira energia para a minha vida. Bom apetite!

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Publicaçao do livro


Antes de ontem, dia 28 de maio realizamos o lançamento do livrinho Oraçoes no Atelier do Centro.

De que isso me serviu?

Para que serve publicar um livro? O que quero agora? Tenho forças para continuar neste intento? De que ferramentas disponho para me superar ainda mais e nao me conformar com a facilidade das enganaçoes?

Preciso me aprofundar na escrita. Entender as palavras plasticamente porque isso ainda nao esta bom. A profundidade nao é nada sem forma. Espero para ouvir as reaçoes. Pois o que tinha que ser feito ja foi feito.

Bom dia Tom Waits

Na segunda feira dia 26 fui a um show da Cida Moreira sobre as cançoes de Tom Waits. Além das musicas que resgatam qualquer humanidade escondida e aparentemente anodina de suas musicas, o que me comoveu foi ver a relaçao da cantora com algo que realmente ama e acredita.
Bom dia Tom Waits, a sua profissao de fé é a minha certeza de continuar optando pela pesquisa de mim, pela vontade de me colocar na estrada, caminhante sem fim.
Obrigada

domingo, 25 de maio de 2008

Palestra com Boris Schneiderman

A traduçao é impossivel.
Porém homem so opera coisas boas no campo do impossivel.

(literatura russa)

sábado, 24 de maio de 2008

Flannery O Connor

Sim. eu encontrei a vida.

O milagre

Foi entao que percebeu
que nao podia ser paralitico
pois ja havia experimetado
o caminho do andarilho

quinta-feira, 22 de maio de 2008

ORAÇÕES poemas

Perdão

me desculpe amor
mas hoje eu nao posso pensar em você
estive fora
olhando janela adentro
e gostei
me desculpe amor,
mas hoje eu não quero.

terça-feira, 20 de maio de 2008

















Poema da Lea

Cara Angela,
fiquei muito contente em receber seu email, estou assistindo suas aulas no Instituto que carinhosamente chamo de D. Tomie, meu nome é Lea e estamos fazendo o primeiro (e talvez último módulo) do projeto Impaes, você foi uma grande surpresa e gostaria muito de compartilhar isso com você nesse momento pois a vida é feita de instantes e estou descalça mas alguém me ajudou a entender que talvez não precise dos sapatos...adorei seu blog e li muitos textos e poemas, tenho uma paixão muito grande por Cecília Meireles, sempre que lia algo que ela escreveu me imaginava conhecendo um poeta, e não é que achei uma viva, Contemporânea, e alguém materializado humano...estou muito feliz com nosso encontro, você disse coisas muito precisas a meu respeito e as aulas tem sido uma revelação muito legal, como acréscimo, aprendizado e até mesmo confronto, fico muito feliz em ter a oportunidade de conviver com vc (infelizmente) durante as poucas as aulas da quinta-feira, compartilho de muitas das suas reflexões e certamente nos tornamos melhores quando vivemos de aprender e principalmente de dividir,
Um Grande Abraço,
Sucesso no Lançamento de seu Livro,
Obrigado pela generosidade e por nomear o Sagrado naquilo que vc faz,
Lea...
''A vida só é possível Reinventada''
Cecília Maireles

domingo, 18 de maio de 2008

Crime e Castigo

Meu essencial é a minha interioridade, vontade de inverno, recolhimento. O difícil do que é... quando está acontecendo não sabemos da sua presença, apenas sabemos que está acontecendo... depois paramos na saudade eterna... nada se encaixa no lugar. Um ser humano de ritualismos e de delicadezas com o ser. Eu opto por tudo que for para nos distanciar, para nos levar a um estado não comum, a uma perda da capacidade de negar ou afirmar... vem que eu te mostro como podemos viver um instante este silêncio da linguagem, é muito rápido, repentino e altamente perigoso. Uma pequena habitação, um pouso intranqüilo e absolutamente ensurdecedor. Quem soube visitar nunca mais será o mesmo. No olhar carrega um ângulo a mais, uma passagem para o extremo oposto, um ombro deslocado, uma aparência de clareza e carrega um peito absolutamente aberto.
Eu opto pela dificuldade. Eu sonho com a entrega total, mas não posso. Tenho muito medo dela. Tenho medo de ser descoberta e perder a segurança.
Preparai os caminhos do senhor, endireitai as suas veredas. Aplainai as ovelhas, fechai as portas, limpai o pó das mesas e recolha os sacos de lixo. Eles não podem se acumular.
Os livros não são livros se estão acumulados de pó branco e de um cheiro de morte. O passado do livro é o passado dentro de nós, não fora dele. O cheiro que ele exala é um cheiro particular. O cheiro do livro em nós...
Eu amo o desconhecido de dentro. Eu quero que ele roube a minha tranqüilidade, quero que ele arranque meu entendimento da vida, que me desestabilize, que eu cada vez mais não saiba para onde ir, quero ficar sem saber de nada, de estar fora de tudo.

POEMA

E no caminho para a santidade
Não ousei te pedir ajuda.
Passaste chamando-me com a pressa da irresistível mão
E eu, surpresa e sem sapatos
não pude te acompanhar.
Ainda hoje espero calçada pela segunda tentativa

POEMA

A culpa caia-lhe muito bem.
Desde a miséria do mundo até o apreço disparatado do homem pela dor.
Tudo lhe dizia respeito.
Sua educação voltara-se apenas para reparação. Teria que consertar as moradas desde antes do seu nascimento.
Pois nada que fizesse apagaria sua condição de resto.
Exceto o rito.

O que eu realmente quero da minha vida?

sábado, 17 de maio de 2008


A maldade, Tarkoviski e a educação

A mulher não possui sequer meia hora que possa chamar de sua[1]. Algo dentro dela mesma solicita renúncia e abdicação. Sua natureza foi construída assim. Tudo parece atrapalhar ou afastá-la deste pequeno momento roubado só para si. Os compromissos aparecem à porta, a cabeça explode de tarefas a cumprir, o desejo de ser boa e gentil aos outros vence sempre.
E esta capacidade de auto-imolação é tão freqüente que muitas vezes temos a certeza de que a mulher parece não se importar com o tempo “perdido” nas tarefas dedicadas ao mundo. Aparenta mesmo que é feliz desta forma gentil. Chegamos até a pensar que seus desejos internos são infinitamente menores do que a grandeza de colocar-se a serviço dos outros.
Tal serventia revela-se em todas as atividades que realiza, não apenas em casa ou na família. A mulher é adequada em tudo e que faz. Todo o tempo está a cumprir tarefas, com uma eficiência notável.
Chegando mais perto, cada vez mais, percebemos que não é a mulher que se encontra na mulher, mas a história que ela carrega nos ombros. Um corpo caído devido ao peso insuportável de abandonar sua consciência e vontade de agir conforme sente. Ao fazer inúmeras concessões, paga pelo esquecimento de si. Entregar-se ao outro antes do encontro consigo é a mentira que inventou para permanecer apartada de sua própria dignidade.
Pois todo ato adequado revela um pedido de reconhecimento. Uma solicitação de perdão, um pedido de amor, de auxílio e conforto. A mulher não sabe amar.
Uma vez apartada de si mesma não lhe é possível amar completamente. O verdadeiro amor não pede correspondência. É capaz de amar somente quem antes se resgatou.Levada às sua mais extrema conseqüência, amar sem buscar correspondência é uma tentativa de superar a vida humana e alcançar o divino que nos habita.
[2]
Mas com a vista enfraquecida é difícil romper o cansaço espiritual que sentimos. Força desgastada por tantos compromissos com a continuidade das coisas, como saber ouvir nossa própria voz e como distinguí-la de tantas outras ?
Santa Teresa Dávila ouvia seu próprio canto. Sabia reconhecer a voz verdadeira que emanava de si de acordo com a quietude que deixava em sua alma. As palavras são reais quando não nos saem da memória por muito tempo e às vezes não nos abandonam nunca...
Ouvir os desejos da alma pressupõe sujeitos egoístas. Enganaram-nos quando nos fizeram acreditar que a vida em sociedade deve ser pautada pelo bem comum. Não há bem comum sem sujeitos inteiros.
Tenho carregado em mim duas frases verdadeiras.

Duas frases essenciais que fazem parar meu coração. Ambas são de Andrei Tarkoviski:
O grande mal de nosso tempo é não haver mais grandes mestres;
A educação deve ser substituída pela autodisciplina
[3].
O que elas significam? Dizem algo maior que a explicação. Algo que procuro a vida inteira e não morrerei sem antes pronunciá-la com minhas próprias sílabas. Martelam minha consciência o tempo todo e me compelem à ação. Poderia sair gritando pela rua ou anunciá-las por aí. Mas não se trata disso. Trata-se de duas frases mudas, que somente eu posso escutar. Somente quando meu coração aceitar ser sua morada poderei balbuciá-la pelo mundo.
Penso que esta é a maldade mais urgente que precisamos assumir. Acolher as frases que nos falam ao espírito. Aceitar ser morada de um plano secreto, somente seu.
È por isso que rogo todos os dias para que a mulher saiba quem ela é, que ouça seus pedidos, que desenvolva sua consciência e prática moral, que saiba dizer não aos compromissos, que tenha coragem de permanecer em estado de criatividade. Que escreva mais o que pensa. Que respeite sua natureza voltada para o divino. Que transite pela alma sagrada e impura do mundo, cheia de presságios e adivinhações. Que se permita repousar em lugares impossíveis. Que cultive a promessa em seu interior. Não precisamos de mulheres adequadas, e sim das misteriosas, das compromissadas consigo mesmas, das que recusam uma ajuda ou uma tarefa a mais não por incapacidade, mas por verdadeira maldade. Precisamos daquelas que reconhecem que a única maldade necessária é permanecer mergulhada no Grande Silêncio.
E que saibam ser odiadas pelas pessoas certas.


Ângela Castelo Branco



[1] Virgínia Woolf, Um teto todo seu, Editora Nova Fronteira, 1985.
[2] Octávio Paz, As armadilhas da fé. Sóror Juana Inês de la Cruz, Ed. Mandarim p. 406.
[3] Andrei Tarkoviski, Esculpir o tempo. Martins Fontes, 2002.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Poema

Hoje eu nasci mais humana.

Tornar-se educador: um processo de conquista



Vivemos em uma época de luta pela não- falsificação do sujeito. E, prática educativa, sempre nos deparamos entre desafio de efetivar o projeto sonhado ou aceitar um modelo aproximado daquilo em que acreditamos, muitas vezes distante de nossa verdade mais cara. A busca pela autenticidade nos persegue. Sabemos que trabalhamos com a formação da pessoa humana, seja esta a dos educandos ou a nossa própria. É por isso que ser educador é um processo conquistado, movimento em direção ao querer-ser, constante reformulação do desejo.
Primeiro começamos com aulas planejadas, estritamente controladas, ações estas escolhidas porque sabemos que seremos aceitos; optamos pela estratégia que “dará certo” e, como tal, seremos bem recebidos pelos alunos. Este recurso não nos causa problemas à auto-estima, que já é tão fragilizada e exposta. Esta é a fase da busca por uma melhor estratégia.
Porém, aos poucos, este “professor ideal” vai brigando com o sujeito interno que não pára de nos policiar, permanece sempre insatisfeito, achando que as aulas poderiam ser mais interessantes, mais desafiadoras. Nesta etapa, dialogamos com a formação que tivemos desde a infância, chegamos até a “reproduzir” um modelo de uma professora do passado, ou o próprio discurso de nossos pais; percebemo-nos promovendo um autoritarismo por vezes tão odiado. O desejo desloca-se da tranqüilidade de ser um professor bem aceito para a busca de um ser mais autêntico.
Conseqüentemente, percebemos que é preciso mais estofo, que apenas a replicação de estratégias não se sustenta por muito tempo, nascendo um desejo de nos ver produtores de um pensamento, desejando que a nossa própria aula revele um ser íntegro, uma verdade interna, adquirindo a memória de quem somos.
Nesta fase o educador assume um corpo, é dono de uma fala irresistível porque se faz verdadeira diante de quem a ouve. O outro (aluno) não é ameaça, mas, ao contrário, é a possibilidade de existir uma vida mais plena.
Para se chegar a esta etapa é preciso responder à seguinte questão: De que vale mais: gastar a vida realizando um projeto que nada contribuirá para seu próprio desejo de existir ou optar pelo mais difícil, pela dor de rever seus próprios caminhos, de arcar com suas escolhas, de investir em uma forma de vida que lhe comova e que lhe fale ao coração?
Antes de falar de estratégias e soluções em educação é preciso falar da vida. Anteriormente à preocupação com a educação do outro, devemos nos perguntar pela nossa própria educação.
Como formadora de educadores há alguns anos, vivenciei a angústia de ser questionada sempre por novas técnicas, trazer novidades ao professores, alimentá-los, nutri-los de uma verdade que não era nem minha e muito menos poderia se tornar de alguém. Este tipo de projeto já nasce morto, antes de vingar no acontecimento. Nutrir os educadores que estão sempre descontentes, que parecem sempre carecer de algo, desmotivados com os resultados que colhem, sem preocupar-se com a qualidade da semente que produzem ...
A qualidade da semente deve estar implícita na ação do sujeito educador. Em todas as suas práticas, ser capaz de produzir um desenho social com sua presença. E este desenho que criamos é arte, não tem sentido ser replicado, perde seu valor de essência.
O ser do educador que se questiona, e é capaz de mudar, é tão verdadeiro que automaticamente desperta o ser do outro. É impossível resistir a um grande educador. Sua presença é demasiado sedutora para que se deixe paralisar pelos incômodos, como resistência, testagem, preconceito, imaturidade dos educandos, escassez de recursos educacionais.
O padrão de educador que desejo aqui discutir é o mesmo de Paulo Freire, é o mesmo aclamado saudosamente por Rubem Alves, vivido intensamente por José Pacheco, o mais alto nível de resolução na vida e na prática educativa, que aliás não se distinguem muito.
Atualmente acredito que o único educador possível é aquele que consegue ser interessante para si mesmo. Que vê no outro mais do que ele mesmo vê, que diz o quanto é possível romper com a prática conformista de viver para construir apenas mais um ser sem sentido pessoal, deixando sua vida em troca de uma falsa segurança identitária.
O único educador possível é aquele que percebe que o sistema pode ser rompido, que as condições em que se encontra a educação atual não são uma engrenagem tão bem estruturada assim, que pode ser desmantelada com a virulência de quem não entregou sua vida apenas à necessidade de sobrevivência, salário, posição e estabilidade profissional.
O educador possível é o produtor de um pensamento próprio, que pensa a vida com recursos éticos, filosóficos, práticos e apaixonados, recursos esses que existem em cada homem e em cada mulher.
Por isso, antes de ser indagada sobre o que fazer com a violência das crianças na escola, sobre as melhores estratégias que um professor deve dispor para tornar suas aulas mais interessantes, discutir a ausência da família, a péssima qualidade da educação, gostaria de conversar sobre o que nos faz estar juntos, reunir-se em grupo, de estar um diante do outro, tentando unir os cacos ou enrijecer essa nossa existência amolecida, anódina, que apenas reproduz um caldo sem graça, com a prepotência de quem acha não ter mais saídas, que resta a continuidade de algo perverso ou desmaterializador da alma humana.
Gostaria de tocar meu ser com outro ser, única linguagem possível quando queremos iniciar um diálogo sobre educação. Precisamos de seres inteiros, com a vida passada a limpo, pois acredito que é possível mudar com os poucos recursos de que dispomos. Estas são as pequenas escolhas da vida. E isso não tem nada a ver com esperança. E sim com desesperança. Enganaram-nos quando privilegiaram a esperança em detrimento da ação. Ser desesperançado é começar a agir, acreditar menos na religião ou na política e mais no espírito de cada um, nas nossas certezas internas que nos assaltam a cada ato praticado rotineiramente.


Ângela Castelo Branco
Mestre em educação
Profª. do Instituto Tomie Ohtake, coordenadora do Atelier do Centro