domingo, 22 de novembro de 2009

como cumprir o tempo da existência
descobrir as passagens da casa antiga, e passar por elas,
não sê-las, não habitar nada que não nos pertence?
esquece tua malha gasta
tece as vestes da fragilidade
outrora, sendo o oposto da dor
itinerário dos heróis que lês na penumbra da sala
sonha com eles, pede que intercedam em nosso auxílio
se queres saber como se anda no meio-fio,
desces e cola-te na terra
arranha teu corpo no chão
os que se amam devem rosnar ao mundo
jamais o diálogo sucumbirá à morte
o rio se apequena quando não nascemos em voz
a ti, meu inocente sonho,
escreverei confissões em cima da cama
encarnarei no rosto
o destino que me convoca
pois não me parece fácil
aceitar o recuo da vida
quantas línguas cabem num único ato de amor
a fala é toada de cavalos
errância sem paragem
poço sem roldana
diante do ato que instaura
o descer mais além
marcas espirituais daquilo que ocultamos
do gesto inesperado
o vocabulário possivel:
somos a voz em impulso e murmúrio

domingo, 15 de novembro de 2009

todo anjo é cinza e fumaça
nada pode a casa de batismo em chamas
o mar guarda os nomes que quer
e, então
afina suas horas para o dizer
o único corpo que não cessa

A Extraordinária Aventura vivida por Vladimir Maiakóvski no Verão na Datcha

A tarde ardia em cem sóis
O verão rolava em julho.
O calor se enrolava
no ar e nos lençóis
da datcha onde eu estava,
Na colina de Púchkino, corcunda,
o monte Akula,
e ao pé do monte
a aldeia enruga
a casca dos telhados.
E atrás da aldeia,
um buraco
e no buraco, todo dia,
o mesmo ato:
o sol descia
lento e exato
E de manhã
outra vez
por toda a parte
lá estava o sol
escarlate.
Dia após dia
isto
começou a irritar-me
terrivelmente.
Um dia me enfureço a tal ponto
que, de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!

E grito ao sol:
Parasita!
Você aí, a flanar pelos ares,
e eu aqui, cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!

E grito ao sol:
Espere!
Ouça, topete de ouro,
e se em lugar
desse ocaso
de paxá
você baixar em casa
para um chá?

Que mosca me mordeu!
É o meu fim!
Para mim
sem perder tempo
o sol
alargando os raios-passos
avança pelo campo.
Não quero mostra medo.
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas,
pelas portas,
pelas frestas
a massa
solar vem abaixo
e invade a minha casa.
Recobrando o fôlego,
me diz o sol com a voz de baixo:
Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Apanhe o chá,
pegue a compota, poeta!

Lágrimas na ponta dos olhos
- o calor me fazia desvairar, eu lhe mostro
o samovar:
Pois bem,
sente-se, astro!

Quem me mandou berrar ao sol
insolências sem conta?
Contrafeito
me sento numa ponta
do banco e espero a conta
com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade
fluía sobre o quarto
e esquecendo os cuidados
começo
pouco a pouco
a palestrar com o astro.
Falo
disso e daquilo,
como me cansa a Rosta,
etc.
E o sol:
Está certo,
mas não se desgoste,
não pinte as coisas tão pretas.
E eu? Você pensa
que brilhar
é fácil?
Prove, pra ver!
Mas quando se começa
é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!
Conversamos até a noite
ou até o que, antes, eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos,
os dois.
Logo,
com desassombro
estou batendo no seu ombro.
E o sol, por fim:
Somos amigos
pra sempre, eu de você,
você de mim.
Vamos, poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu
com seus versos.

O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus
dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.
Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
Gente é pra brilhar
que tudo o mais vá prá o inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.
(trad: augusto de campos)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

vesti o sacrificio
ao entrar, os pregos não sustentaram a carne

desço aos poucos
escorrego entre os limites
troco os dentes
mordo as raízes

e olho a cruz
ausente de mim:

o nascimento é andarilho
da estrada ao meio-dia

domingo, 8 de novembro de 2009

O desejo na borda da língua
tal como o animal
que se ama na presa
sou do mesmo corpo da pedra
ativo a fala na perda.
Toma. Este é o meu desenho de ti
Todos os calores dissipam-se e ainda sinto o inflamável
vou acontecendo na epiderme
Mas sei da natureza quente que me põe em pé
e da luz, cinzas e penumbra
a cada sopro da voz partilhada
que em seus braços me quer

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

fica conosco esta noite
tuas palavras são de carne
as minhas estão cheias de sal

vem, e amolece estas pedras bastardas
de puro silencio
Vamos redizer os nossos nomes. Batizar os cabelos na bacia inaugural. Neste dia em que fomos convidados a encher nossos tanques não de água, mas do perfume da água, do cheiro concreto que a vida pode ter quando as palavras restabelecem seu lugar de perigo.
chegará em Padova
o trem resoluto que passa
e deixa à espera o passageiro na estação
que trazia consigo os trilhos da viagem?