sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

último romance de formação - do ano

- Não há coração de pedra-
- Amar de frente. Amar até a fronteira-
- Falar com o fogo da face -
- O passado não é Agora-
- No quarto de escrever cabe o Outro -
- A escrita se dá a ver no rito-
- Não somos feitos à distância-
- Sou este pequeno sim-

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Aquele lugar no meio da sala,
na perna de sua mãe,
no horizonte da cama de cima,
no canto de seu irmão.
Sim, é aqui, a natureza entrando
sem distinção entre lavar, colher, secar, plantar
que a mulher se lembrou de olhar para o espírito do homem
onde o amor não se alimenta de espécies raras
onde amor se alimenta do verme encarnado debaixo da pia
Seu alimento é digestão
No mapa rijo da musculatura no rosto de um animal
Ambos cuidam de si
era preciso entregar os sapatos à nova causa:
“só subirei aos céus se estiver viva”.
A menor planta possível, apontada para o alto
eis um novo quarto de escrever
para a alma que não é imagem.
A porta é vermelha
da mesma cor que a camisa de sua serva.
Seu bolso contém
uma prega na memória, agarrada
ao recado afetivo do pai.
Aqui a cadeira se mistura à planta
e todo o nome mergulha-se no tanque
antes de ressoar à linguagem dos pássaros e dos animais.
A textura de sua pele
correspondia ao abraço do dia
que sempre terceiro, Ressuscita-se.
“Há cores no jardim sem que saibamos seus nomes”. Disse-me.

Respondo-lhe que de certo modo isso já havia acontecido antes. Lembra-te dos teus irmãos que se reproduzem, amam, levantam e adoecem? E o quanto isso se desdobra em ti?

A porta da origem segue aberta. Não tocamos.
E eis que ela rangerá o espírito.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

em breve olharei um girassol de frente e esta flor se transformará em tomate. Olho ao lado e só encontro terra plana. Nada traz a lembrança de um salto. É tempo de fincar os dois pés no humano.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

ATENDO A GRAFIA QUE BATE À PORTA
ESCREVO COMO TE DIGO SIM
TRAÇO PARA NÃO VOLTAR
E PERMANEÇO
chamarei a pele de voz, se assim me permitir,

Estou diante de ti

e estamos a conversar com o que fizemos no jardim. Com o jardim. Somente

Deixa que

tenho uma pedra cinza a cavar. Ofereço-te

Com as unhas gigantes que pedi emprestada ao jardineiro

Estou naquele quarto em que se trancara, mãe. Para ensinar-me que o homem nasce de uma de voz.

Calçado, calçada, caçada - conversa com Marcelo Ariel


A. Quando sua mão escreve, você está a aproximar-se de algo?

M. Sim, de um calor nos pés. Às vezes quando escrevo poemas ou quando leio em voz alta alguns dos 'salmos de david', tenho a sensação de que meus pés estão descalços, mesmo que eu esteja calçado, de que eles estão plantados nas águas de um oceano. Um oceano de águas quentes, talvez com o Sol no fundo. Certamente é isso, há um Sol no fundo do mar. existe a armadilha de projetar o sagrado nas palavras, e durante muito tempo, como um morcego preso pelo rabo em uma ratoeira, me sentia preso na tentativa de dar um sentido metafísico para a linguagem cotidiana, atualmente tenho a convicção de que 'A palavra' escrita ou falada é o 'reino do demônio' e que escrevendo podemos passar por elas como se atravessássemos uma ponte até chegar a um silêncio edênico, que começa nos ossos dos pés, até explodir na cabeça como uma auréola, por onde saí e sobe aos céus. Quando este silêncio quente chega no coração, todas as palavras se dissolvem e nesse vazio-transparência podemos finalmente nos aproximarmos do que não pode ser dito, daquilo que nos Evangelhos é chamado de O Verbo, o que torna possível a existência do 'paraíso' no mundo e não o oposto. Não podemos nos aproximar desse silêncio solar se estamos em algum lugar fora do mundo, muitos amigos meus poetas, escrevem sua procura a partir de algum lugar fora do mundo, e isto torna difícil a sensação viva da existência do Éden, viva como o toque da mão do feto na placenta. Estudo muito 'A Bíblia ' e dia-após-dia sei cada vez menos e sinto cada vez mais, por exemplo, senti anteontem que a resposta a Jó, pode ser resumida como a lembrança vivíssima de que um dia fomos apenas uma simples célula, esta célula teve acesa dentro dela a sensação viva do éden e sentiu a nossa presença, do mesmo modo, podemos sentir o silêncio e o rastro harmônico do éden, como um lugar depois de todas as palavras. Há um poema de Hans Eszemberger que discute essa questão de um modo mais pragmático, diz o poema que quando alguém está feliz jamais pensa na palavra felicidade, de igual modo, estamos no Éden, se nos aproximamos do éden, houve um prisioneiro que atravessou um campo de concentração ao meio dia e antes de levar um tiro na cabeça, sentiu o Éden, como algo um milhão de vezes mais real do que o regime nazista, do que o próprio campo de concentração. Existe também um campo de concentração das palavras e dele nos afastamos, sem a necessidade da morte como extensão do Ser, para a filosofia concreta, nenhuma criatura finita tem acesso ao Ser, discordo com todas as minhas forças desse enunciado.

A. Do quê/quem você é íntimo?

M. Do estranhamento-amor, ele é como uma névoa prateada que não queima quando chegam os primeiros raios da manhã edênica, insisto muito no éden, porque ele não é uma ideia.

A. Há amizade entre o homem escritor e o homem civil?

M. Sim, através do Poema desaparece a separação entre uma coisa que vê e a coisa vista, sou inimigo da visão dicotômica entre vida e literatura, tenho a profunda fé na fusão entre Hamlet e Shakespeare, Hamlet escreveu todas as peças de Shakespeare. Um cão é um cão-lobo e não um lobo-cão.
A. Qual a sua espinha? Com o quê/quem conversa?
M. Com o Querubim, ora é um cão, ora é uma criança, ora é um lobo, ora é uma árvore que fala .O Ser é uma pergunta-resposta?


A. O que aprendeu escrevendo?

M. Escrevendo aprendi a ler, do mesmo modo, quando alguém ama , aprende a escutar.

A. Há impropriedade?

M. Na dúvida, sim. Este trabalho que fazemos exige uma fé para além do pensamento e da palavra. Mas existem os que vivem no reino do entre e nesse caso as impropriedades são constantes e absurdas.

A. Como você lê? Você é leitor do que escreve? Como vê aqueles que e lêem?

M. Não saber e não ver são atributos da fé. Não sei o que é e não vejo o quê me lê. Não sei quem são, nem o que são. Mas sei de um modo sobrenatural que eles estão perto de mim, estou do outro lado da calçada na rua que aparece nos sonhos deles, sejam eles computadores ou pessoas, árvores ou nuvens, pedras ou lagos.