quinta-feira, 22 de maio de 2014

se disseram alguma vez "no princípio era o verbo" e você nunca mais esqueceu era porque ali continha a dobra da estrada. aquela que só você entra, mas que precisa de, no mínimo, duas vozes, um silêncio e uma pedra.
sei que não foi uma visita nem um desvio da regra, era um outro modo de estar, a mesma respiração, mas com uma volta mais ampla, o ar contornava os objetos da sala trocando calor para, no mesmo instante, voltar ao nosso corpo. e simplesmente olhar
era oração.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

a última maçã da fruteira
escorregou pela porta ontem
fazia um trabalho de chuva
rolou na rua, derretia nos buracos
não pude segui-la, ventava tanto
mas eu também senti o calor
da voz da água comendo o estado semente da maçã
casca no possível do nascer
era de saciar toda a gente
e pelas paredes podia-se ouvir
- terra fervente debaixo do asfalto-

domingo, 18 de maio de 2014

O Livro Sagrado é do ramo do tecido. Ele contém um inventário das sementes e animais que dão origem ao fio e ao tecer. Há nele um capítulo das mulheres esquimós que mascam a pele de urso para amolecer a trama e vestir.
Em outro capitulo, Slava Polunin compõe uma casa de retalhos.
E há, ainda, o dia em que abracei a janela pela primeira vez,
solta
nos farrapos da cortina.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

quando percebeu que não conseguiria passar uma noite
ao lado de alguém
despediu-se de sua própria lua
e foi morrer ao sol
se ponho minhas mãos sob a mesa
sem que elas apontem, escrevam ou cortem algo,
elas entram em estado de azul
Simplesmente
posso até acompanhar com o rosto
a tranquilidade de mudar de cor
e dizer: Estou aqui
mas as pernas
as pernas não sabem o nome
deste azul



sábado, 10 de maio de 2014

Se Deus exite
desconfio que mora nas esquinas

de cada maçã

página, paisagem


após encontrar o homem que não via há 36 anos,
sentaram-se à mesa e ela dividiu o livro, dizendo:
a primeira parte é sua,
a segunda é do filho mais velho,
a terceira é da filha,
a quarta, daqueles que se plantaram na terra
a quinta, dos que vão bater à porta.
E só assim tomou sua parte na leitura.
a palavra de tão morta, está.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

a escrita não é mais um exercício diário, deixou de contornar o pensamento ou inventar modos de anunciar o porvir. Vez ou outra aparece no timbre da voz. Vez ou outra se oferece no rosto.
Olhou para cima e percebeu que arrumar as telhas da casa arruinaria o dia.
A escrita vai para onde se sente viva.
Cão que esqueceu de dormir e se põe a latir mais que seu latido, a pedido da noite.