quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Amadureço com as árvores,
todo fim de tarde,
quando meu desejo é escadaria.
Permaneço em retirada
sentada, deixo as cascas repousarem no vestido
e o sumo tingir minhas mãos
na sede de um laranjal percorrido a pé.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A ultima lição

talhada no fogo
esquecida no tempo
restava intacta
a última caixa
escultura esquecida
lassidez cultivada

nenhuma senha ou protocolo
Qual o preço a pagar pela dignidade?

aquele que ergue a resposta
remove a pedra
arranca o trinco
destrava a porta
arruína a cerca

e encontra uma vez mais
a pólvora incessante
do fio condutor do espírito

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

fim de tarde nos meus olhos
as cavalarias e os homens de fé
passam por aqui
-espada em riste
bandeiras eloquentes-

o menino santo olha a cena
salta do parapeito
e me devolve a lucidez
é hora de aceitar o grande desígnio
folhear o livro com as mãos ungidas
do fresco aroma da pele
que sustenta o mar em revolta.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Emily Dickinson- tradução de Lucia Olinto

Crescimento do Homem - e da Natureza-
Gravita no interior-
A Atmosfera e o Sol o endossam-
Mas ele se move-só-

Cada um haverá de atingir-por si-
O seu difícil Ideal
Através da proeza solitária
De uma Vida Silenciosa-

Esforço - é a única condição-
A paciência de Si Mesmo-
Paciência de forças que se opõem -
E uma Crença intocada –

Contemplar – é da alçada
Da Platéia- Todavia.
Nenhum Reconhecimento
Acompanha a Operação.

Pressentimento – é aquela Sombra comprida – no gramado-
Indicativa de que os Sóis se vão –
O Aviso à Grama sobressaltada
De que está prestes a passar a Escuridão-

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

na metade da vida
não quis abrir a cortina
e encontrar a mesma cena
invertida
em diáspora assumida
partiu
segurando nos dentes
as meias verdades arredias.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Quero os nomes dos cegos quando as portas se fecham.
Vamos escorraçar os correios, debandar as cadeias e extrapolar a febre.
Dilacerante o rosto, dilacerante a vida.
Mova-me para o lado de fora, quero ser a outra que te deixa cru, sem malas de viagem. Vamos financiar bombas em pequena escala.
Larga meu casaco, não preciso dele agora. É a repulsa dos dias brancos que nos faz irmãos. Atropela-me a mentira.
Limpa o pó da minha cara.
Somos o vazio do mundo. Aceito esta roupa envenenada desde o dia em que te olhei e não me vi.
menino santo, a estiagem!
levo a água na cintura
para provar os acasos.
acabo de romper com a verdade
estou próxima do que não sei
há um espaço, eu vejo
que une toda as noites
neste intermitente de nós.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

veja: é a eternidade aqui
-nascendo em nossos pés-

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

é a manhã que me sopra
e preenche a fala dos homens
que creêm nas páginas em branco

reza por quem quiseres
e aceita que a folha que vai com o vento,
que arde no fogo
e que descansa na estante,
só amanhece no rosto que move a escrita.

Blanchot, O livro por vir

É preciso estar com as costas na parede
para começar a falar com alguém.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

menino santo, se teus olhos viessem me visitar hoje
eu diria que tanto sol assim me arrasa
veja este corpo saturado de luz
esta pele inflamada
e esta boca,
superficie febril,
memória consagrada
da palavra não revelada.
eu me naturalizei mulher
pela força de um intento
e nesta chuva passada a limpo
sou bússola,
encostando nas paredes do tempo

terça-feira, 6 de outubro de 2009

sou a luz infiltrada no teto,
o instante rompendo a cisterna,
o vento depois da histeria:
nesta noite,
não estranho
o paradoxo das cores
em seu início.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

o menino santo
crescia em estatura e vontade
e a sua palavra homem
unia-se aos pássaros negros do dia
vestindo a febre
do derradeiro combate.