terça-feira, 29 de dezembro de 2009

de tanto chamares, a palavra vem
o que espera
como folha reticente ao vento
neste ano arde em campo e selva

inventemos um deus
como a manhã sem planos
que fala antes da primeira
vez da intimidade vasta

eu não sou o mistério
o que morre, não está aqui
nesta clara noite
esfreguei as mãos nas paredes
encontrei a carnadura das casas

se morro hoje, nada guardo
avanço lentamente
por onde olho, vejo-me no que voa
e busco, no golpe preciso
o gosto da terra firme

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

aquilo que trazes com o sim
quatro mãos em precipício
faz o rosto mover-se lentamente
como um boi mastigando o vago
-sou um a mais de mim-
das rebeliões passadas
trago apenas o dorso enrugado
insetos movem-se ao redor
transitam no pasto, dançam no vento
e eu rumino minha falta pressa
pois hoje visitou-me
a natureza em sede saciada

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

invejo a fome da raiz
com suas quatro patas fincadas no chão
exponho-me em fileiras de grãos
e aceito
que a mão que me afunda na terra
que toca os pelos deste caule fresco
seja a mesma a decepar meus braços fracos
nos dias em que não semeio
a pergunta que hoje sou

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

se todas as maçãs rolassem ladeira abaixo
e a menina naquele vestido de algodão
ousasse chutá-las contra a parede
eu aceitaria minha amada aparição
ou um volume dágua ultrapassando
o limite do corpo
-estou em acúmulo-
assusto-me com a ventania debaixo da mesa
com a boca avermelhada que morde a casca
há uma mulher nascendo
amansando os nãos do mundo
escolhendo como alimento
a polpa que excede a fruta

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

as chuvas deste temporal movem-se sempre
ora são metais, ora são facas que falam
mas há um corpo cortante
que atravessa todas as noites inseguras
quando estou próxima dos silêncios
desdobro-me em lençóis
como quem acabou de chegar de viagem
o vento que agora comemora
lutava contra a pele dormente
e removia a camada de sal que se aviltava
se chego às minhas margens
sinto vontade de levar os metais pesados à boca
minha natureza mole quer encontrar-se com as paredes
arrancar tudo o que não seja amor
e construir-se em cheiros trocados
deste paladar que não se cessa nunca
tendes alimentado-se com o seu desejo?
consegues me dizer o que em ti retorna sempre?
tendes provas de que sois ?
acolho o vento das maternidades
e arranco-o das janelas frias
e ele se faz em brasa
a cada sopro no meu ouvido

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

há folhas caindo em meu copo
risos miúdos no travesseiro
há morada de pássaros azuis nos cantos do corpo
ou um nome só
acordado antes do sonho
consumindo-se em mordidas roubadas
vento nas coxas da moça
que distraidamente inicia a ladeira
sou um sendo
um gesto construído no teu
a juventude do seu amanhã
e vejo a natureza vindo
o inevitável do medo em estado de gozo
e sofro em ausências menores
o que agora me treme em certeza
-não serei menos que a única-