sábado, 26 de dezembro de 2015

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por 
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela. Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que um pássaro sem vôos.

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema: Para guardá-lo: Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda: Guarde o que quer que guarda um poema: Por isso o lance do poema: Por guardar-se o que se quer guardar.

Antonio Cicero

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Lá do céu todas as casas são azuis
Aqui do chão todos os céus são de telha

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

4 dias com dor de cabeça e você lê uma notícia e diz não tem importância. 4 dias e você olha para o homem que ama e diz não tem importância. são dias que a chave não importa, as janelas partem e a comida queima. de uma dor que  não importa exatamente. porque depois de quatro dias você passa a sentir o fio do cabelo que cai da sua cabeça. sua decisão de soltar da pele,  de deitar-se por entre os outros fios, barulho febril ao roçar um no outro, marcha fúnebre agarrando-se aos que estão presos para, num golpe final, cair ao chão, debatendo-se, só.
depois de 4 dias,
cada fio de cabelo bate à porta.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

ele escreve atrás de mim a volta do encantamento da palavra
há dois metros de mim, atrás,
eu quero marcar tudo o que eu puder
com a ponta do lápis
achar um lápis no meio do caminho,
coçar atrás
de tudo o que eu puder
um canto, uma palavra
olhar nos olhos da cara de um lugar
agora
entre dois riscos e um rio
acostumada a nadar a lápis
emerjo em folhas,
caminho e ponta



terça-feira, 27 de outubro de 2015

vi minha mãe mais velha
e ela me disse que era eu

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

[A origem]


   "A origem foi – talvez – a ansiedade violenta
de Deus de uma origem .
 O hausto de uma violação”, disse ele.

  O objecto é para o pensamento o mesmo
que a flor é para a abelha: o seu alimento
e o seu mel.

  “ Ai, quem poderia pensar o pensamento,
no lugar onde o pensamento se pensa e não
onde ele é reflectido? “ disse
ele
e acrescentou: “ o que nós chamamos
de pensamento é apenas um pouco do que se
nos revela e de onde retiramos uma vida e ,
de vez em quando, uma obra “ .

  O que se pensa no pensamento dever ser
considerado em primeiro lugar.

  O pensamento é experiência; experiência
do pensamento, mas também
pensamento ou experiência.

  Pôr o seu pensamento em prática.
Consagrá-lo à vida.

  Eu penso. O pensamento revela-me. No entanto,
ele é a minha revelação, assim como eu sou a
sua determinação.

  A minha responsabilidade começa
com o meu pensamento.

Edmond Jabés

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Deus: o mais móvel de todos os homens

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

poesia:
fazer jus
aos pés
do retirante
uma escrita leve
mão dançando a folha no ar
funil
feitura
curvatura de uma vida integrada
voz que escorre em tule,
fluir ato e pensamento:
túnica de uma única pele
Aquiestar

quarta-feira, 29 de abril de 2015

O que acontece quando não acontece? Numa conversa, por exemplo? Quando a promessa é a de um encontro em que um fluido de vida vai instaurar-se e, no entanto, é apenas um rodear, um estado de superfície, um engatinhar. O corpo vai entrando no desvio, opta pela fala indireta, dá até pra rir, mas o incômodo continua lá, numa panela fechada de um acordo tácito que não autoriza a destapar. Caso alguém aconteça, eu aconteço. Caso alguém inicie eu engato. Mas porque o caso? Porque não eu? Porque não ninguém?

Do tombo, do cair, do esbarrão, da porrada, do atropelo. Não se vive sempre aí.

E nos intervalos? No levantar, no caminhar, no erguer o rosto? Sim, pois existem. Lavo meu rosto pela manhã à espera de um soco. E se a toalha for macia demais para o golpe? Nada de vida? Ou como isso se chama? Entre um acontecimento? Entre um acontecimento.

Só aconteceria se eu soubesse a diferença

do entre
e do acontecimento.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

desde o acontecimento igreja, quando ouvi pela primeira vez a palavra outro, a casa era entrar em partilha, a fé era almoço. eu queria morar aglomerado, habitar o miolo que une os seres. então, desde lá, já não posso esquivar, nem querer um nome único. já não posso dizer nada que afaste o vírus da permanência, o encontro-broto, o peito fogo.
uma verdade fluxo
a exalar o sentido da proximidade
não quero fôlego, nem querer
estou em intimidade
amém
não se sabe bem o que é
mas entende que esteve ali a vida toda, em acontecimento

sábado, 18 de abril de 2015

segunda-feira, 16 de março de 2015

para cada árvore que balança
há um deus a soprar

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Aquele que nasce
me nasce

Aquele que morre
me leva

O menor gesto, se gesta,
me lágrima
se eu soubesse sua língua,
diria que padeço de uma doença chamada interpretação
seu rosto aberto
já foi esquecido pela maioria dos falantes

Me perdoa, por achar que sei o que me diz
Me perdoa,
por significar teu silêncio.

Você canta uma canção de silêncios
Uma canção de quem  está em casa

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

A espera se converte agora para um lugar longe da consciência,
ou distante, ou ausente
E por isso as palavras param

Se não há consciência,
não há palavras
e, se não há palavras, não há tempo

Uma espera sem tempo
inaugura uma consciência sem língua.

A casa de Hóspedes

O ser humano é uma casa de hóspedes.
Toda manhã uma nova chegada.
A alegria, a depressão, a falta de sentido, como visitantes inesperados.
Receba e entretenha a todos
Mesmo que seja uma multidão de dores
Que violentamente varrem sua casa e tira seus móveis.
Ainda assim trate seus hóspedes honradamente.
Eles podem estar te limpando
para um novo prazer.
O pensamento escuro, a vergonha, a malícia,
encontre-os à porta rindo.
Agradeça a quem vem,
porque cada um foi enviado
como um guardião do além.

Rumi, (mestre Sufi do sec. XII)