sexta-feira, 30 de setembro de 2016


entre o indizível e a palavra
está o poema
cama em que repousa o mundo
antes de fazer silêncio para depois escrever,
o que eu desejo
é a própria escrita chegar ao silêncio
e saber que pela escrita
a escrita se desfaz
esse livro vive.
queria ser as suas páginas, o espaço que ele ocupa entre as mãos, o que está escrito, o que não está escrito, por Kazuo, pelo corpo, pelo silêncio que dança e por seu jeito de acomodar-se tão bem
ao lado da cama
esse livro me
vive.


quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Talvez eu tenha começado a escrever no dia em que ouvi a história do meu nascimento. Ou quando usei o batom para grudar nas paredes do guarda-roupa o que estava sentindo. Ou, quando produzia enigmas no estrado da beliche, com lápis de sobrancelha, diariamente, antes de dormir. Ou nas competições de redações intermináveis que fazia na escola.

Talvez eu tenha começado a escrever quando a professora do ensino médio pediu uma redação sobre “quem é você” e descrevi o nascimento de cinco gatinhos em meu colo.

Talvez eu tenha começado a escrever quando caminhei sozinha numa estrada de Minas Gerais, sob o sol e a poeira seca do silêncio. Ou talvez quando entrei no curso de Fonoaudiologia e percebi que a escrita era dor para alguns, instrumento de poder para outros. Ou no mestrado em educação, em que pude posicionar-me contra a patologização da escrita.

Ou quando um dia me disseram que eu deveria abandonar o desejo de escrever crítica de arte porque era poeta. Ou, talvez, quando ouvi alguém dizer que existia poema para além da frase “minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá”, ou da figura altiva de Carlos Drummond de Andrade.

Talvez eu tenha começado a escrever quando percebi que minha fala entrecortada, cheia de buracos, era o que eu tinha de melhor.

Talvez eu tenha começado a escrever quando tive minha primeira mesa, uma estante e livros só meus. E quando li os textos da escritora Maria Gabriela Llansol.

Ou quando comecei a perceber que não tinha controle sobre a minha própria escrita. 

Talvez eu comece a escrever quando o único assunto que restar é a escrita.


E já não possa mais escrever.