Talvez eu tenha começado a escrever no
dia em que ouvi a história do meu nascimento. Ou quando usei o batom para
grudar nas paredes do guarda-roupa o que estava sentindo. Ou, quando produzia
enigmas no estrado da beliche, com lápis de sobrancelha, diariamente, antes de
dormir. Ou nas competições de redações intermináveis que fazia na escola.
Talvez eu tenha começado a escrever
quando a professora do ensino médio pediu uma redação sobre “quem é você” e
descrevi o nascimento de cinco gatinhos em meu colo.
Talvez eu tenha começado a escrever
quando caminhei sozinha numa estrada de Minas Gerais, sob o sol e a poeira seca
do silêncio. Ou talvez quando entrei no curso de Fonoaudiologia e percebi que a
escrita era dor para alguns, instrumento de poder para outros. Ou no mestrado
em educação, em que pude posicionar-me contra a patologização da escrita.
Ou quando um dia me disseram que eu
deveria abandonar o desejo de escrever crítica de arte porque era poeta. Ou, talvez,
quando ouvi alguém dizer que existia poema para além da frase “minha terra tem
palmeiras onde canta o sabiá”, ou da figura altiva de
Carlos Drummond de Andrade.
Talvez eu tenha começado a escrever
quando percebi que minha fala entrecortada, cheia de buracos, era o que eu
tinha de melhor.
Talvez eu tenha começado a escrever
quando tive minha primeira mesa, uma estante e livros só meus. E quando li os
textos da escritora Maria Gabriela Llansol.
Ou quando comecei a perceber que não
tinha controle sobre a minha própria escrita.
Talvez eu comece a escrever quando o
único assunto que restar é a escrita.
E já não possa mais escrever.
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