quinta-feira, 15 de maio de 2008

Tornar-se educador: um processo de conquista



Vivemos em uma época de luta pela não- falsificação do sujeito. E, prática educativa, sempre nos deparamos entre desafio de efetivar o projeto sonhado ou aceitar um modelo aproximado daquilo em que acreditamos, muitas vezes distante de nossa verdade mais cara. A busca pela autenticidade nos persegue. Sabemos que trabalhamos com a formação da pessoa humana, seja esta a dos educandos ou a nossa própria. É por isso que ser educador é um processo conquistado, movimento em direção ao querer-ser, constante reformulação do desejo.
Primeiro começamos com aulas planejadas, estritamente controladas, ações estas escolhidas porque sabemos que seremos aceitos; optamos pela estratégia que “dará certo” e, como tal, seremos bem recebidos pelos alunos. Este recurso não nos causa problemas à auto-estima, que já é tão fragilizada e exposta. Esta é a fase da busca por uma melhor estratégia.
Porém, aos poucos, este “professor ideal” vai brigando com o sujeito interno que não pára de nos policiar, permanece sempre insatisfeito, achando que as aulas poderiam ser mais interessantes, mais desafiadoras. Nesta etapa, dialogamos com a formação que tivemos desde a infância, chegamos até a “reproduzir” um modelo de uma professora do passado, ou o próprio discurso de nossos pais; percebemo-nos promovendo um autoritarismo por vezes tão odiado. O desejo desloca-se da tranqüilidade de ser um professor bem aceito para a busca de um ser mais autêntico.
Conseqüentemente, percebemos que é preciso mais estofo, que apenas a replicação de estratégias não se sustenta por muito tempo, nascendo um desejo de nos ver produtores de um pensamento, desejando que a nossa própria aula revele um ser íntegro, uma verdade interna, adquirindo a memória de quem somos.
Nesta fase o educador assume um corpo, é dono de uma fala irresistível porque se faz verdadeira diante de quem a ouve. O outro (aluno) não é ameaça, mas, ao contrário, é a possibilidade de existir uma vida mais plena.
Para se chegar a esta etapa é preciso responder à seguinte questão: De que vale mais: gastar a vida realizando um projeto que nada contribuirá para seu próprio desejo de existir ou optar pelo mais difícil, pela dor de rever seus próprios caminhos, de arcar com suas escolhas, de investir em uma forma de vida que lhe comova e que lhe fale ao coração?
Antes de falar de estratégias e soluções em educação é preciso falar da vida. Anteriormente à preocupação com a educação do outro, devemos nos perguntar pela nossa própria educação.
Como formadora de educadores há alguns anos, vivenciei a angústia de ser questionada sempre por novas técnicas, trazer novidades ao professores, alimentá-los, nutri-los de uma verdade que não era nem minha e muito menos poderia se tornar de alguém. Este tipo de projeto já nasce morto, antes de vingar no acontecimento. Nutrir os educadores que estão sempre descontentes, que parecem sempre carecer de algo, desmotivados com os resultados que colhem, sem preocupar-se com a qualidade da semente que produzem ...
A qualidade da semente deve estar implícita na ação do sujeito educador. Em todas as suas práticas, ser capaz de produzir um desenho social com sua presença. E este desenho que criamos é arte, não tem sentido ser replicado, perde seu valor de essência.
O ser do educador que se questiona, e é capaz de mudar, é tão verdadeiro que automaticamente desperta o ser do outro. É impossível resistir a um grande educador. Sua presença é demasiado sedutora para que se deixe paralisar pelos incômodos, como resistência, testagem, preconceito, imaturidade dos educandos, escassez de recursos educacionais.
O padrão de educador que desejo aqui discutir é o mesmo de Paulo Freire, é o mesmo aclamado saudosamente por Rubem Alves, vivido intensamente por José Pacheco, o mais alto nível de resolução na vida e na prática educativa, que aliás não se distinguem muito.
Atualmente acredito que o único educador possível é aquele que consegue ser interessante para si mesmo. Que vê no outro mais do que ele mesmo vê, que diz o quanto é possível romper com a prática conformista de viver para construir apenas mais um ser sem sentido pessoal, deixando sua vida em troca de uma falsa segurança identitária.
O único educador possível é aquele que percebe que o sistema pode ser rompido, que as condições em que se encontra a educação atual não são uma engrenagem tão bem estruturada assim, que pode ser desmantelada com a virulência de quem não entregou sua vida apenas à necessidade de sobrevivência, salário, posição e estabilidade profissional.
O educador possível é o produtor de um pensamento próprio, que pensa a vida com recursos éticos, filosóficos, práticos e apaixonados, recursos esses que existem em cada homem e em cada mulher.
Por isso, antes de ser indagada sobre o que fazer com a violência das crianças na escola, sobre as melhores estratégias que um professor deve dispor para tornar suas aulas mais interessantes, discutir a ausência da família, a péssima qualidade da educação, gostaria de conversar sobre o que nos faz estar juntos, reunir-se em grupo, de estar um diante do outro, tentando unir os cacos ou enrijecer essa nossa existência amolecida, anódina, que apenas reproduz um caldo sem graça, com a prepotência de quem acha não ter mais saídas, que resta a continuidade de algo perverso ou desmaterializador da alma humana.
Gostaria de tocar meu ser com outro ser, única linguagem possível quando queremos iniciar um diálogo sobre educação. Precisamos de seres inteiros, com a vida passada a limpo, pois acredito que é possível mudar com os poucos recursos de que dispomos. Estas são as pequenas escolhas da vida. E isso não tem nada a ver com esperança. E sim com desesperança. Enganaram-nos quando privilegiaram a esperança em detrimento da ação. Ser desesperançado é começar a agir, acreditar menos na religião ou na política e mais no espírito de cada um, nas nossas certezas internas que nos assaltam a cada ato praticado rotineiramente.


Ângela Castelo Branco
Mestre em educação
Profª. do Instituto Tomie Ohtake, coordenadora do Atelier do Centro

Um comentário:

regicida disse...

ENTENDENDO TUAS IDÉIAS NESTE TEXTO.ACREDITO QUE POSSA,REALMENTE, AJUDAR AOS (EDUCADORES) MONITORES CULTURAIS DO CCJ A ABRIREM SEUS ESPAÇOS DE FALA E AÇÃO DENTRO DAQUELE EQUIPAMENTO PÚIBLICO...
LOGO MAIS AVISTARÁ NO CÉU ALGUNS PONTOS DE FUMAÇA.ESPERO LHE VER ANDADO EM DIREÇÃO A ESTES...