segunda-feira, 30 de março de 2020

os primeiros a morrer


os primeiros a morrer foram os poetas,
em seguida dos andarilhos,
e, por último, os sem-aderência

caíram um por um, 
deixando aparecer seus modos singulares de tombar

à medida que caíam,
tornavam evidentes os fios soltos de suas roupas, 
suas dificuldades em segurar o que precisava ser detido,
e de soltar o que precisava partir

seus rostos, na primeira hora da morte,
adquiriam aquela aura de prazer e concentração
que a boca, em vida, emanava quando suas mãos encontravam seus próprios ofícios

mas antes de partir, disseram

os poetas: “é preciso que eu deixe de lutar pela justa medida do dizer com as réguas disponíveis”,

os andarilhos: “é preciso que eu volte a sonhar antes da embriaguez”, 

e os sem-aderência: “de agora em diante, o mais simples será o mais belo.“

foi a primeira vez que as mãos reconheceram a existência das forças invisíveis
e as réguas, sonhos e belezas
seguiram inventando um mundo-hospital que lhe pertenciam integralmente


(e eu, que me encontro nos três, passei a morrer todos os dias três vezes para tentar chegar à hospitalidade)




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