Abri a porta porque,
dentre outros desejos, escutei a frase: podemos contratar mão de obra
barata e formá-los, assim eles vão ficando com a nossa cara. Após alguns anos,
tive que me dar conta de que eu era a mão-com-obra-de-barata. E este é o pano de fundo de muito chão que piso. Transitar de um lugar ao
outro sempre à espreita de um chinelão a me cutucar.
É preciso educar as baratas. Elas
respondem. Uma vez, aquela massa inadequada e desajeitada aos poucos foi tomando
a forma que se sonhou. Há quem acredite. Mas, pra forjar tanto assim é necessária certa distância do próprio fosso e repetir as mesmas rotas. É aquele dia em que o metrô está sempre na mesma estação.
Acontece que a minha cara sempre
foi esburacada, mesmo antes das espinhas romperem. Sempre tive espaço em branco
para preencher com o que fosse mais adequado na ocasião. Sem perceber. Um colar
de sementes ou um lenço amarrado, a meia colorida num vestido assimétrico ou os
óculos azuis num corte radical de cabelo. Passei com nota mediana em todas
as provas, mas passei. Pude até ter sobrenome.
Mas o buraco sempre aparece. E
foi exatamente nele que tropecei agora. E não é um furo que estou a comunicar ou
dar notícias da impossibilidade. Não, a minha mão-de-obra-com-baratas não está
a pesquisar nenhuma novidade nem decorou nenhuma citação para embutir nesta
frase. Minha mão de barata apenas olhou para sua própria obra, que já estava
lá, fechada, nos passos da História.
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