quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Meu coração nunca foi lugar de conversar com Deus. O silêncio sim. Mas sempre quando estou quieta de olhos fechados, vejo uma lanterna passando pela superfície do corpo de uma mulher. E ali começamos a conversar: eu, Ele, o suor, a textura e as vergonhas.
"um homem foi morto pelo seu espelho e, no entanto, era belo". Gonçalo M. Tavares

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

- Escuta, estou te dizendo para nascer de novo. É preciso buscar no meio fio aquele desejo de socar a vida de palavras firmes, amor. Por um tempo éramos tolos ao falar em filho de Deus, lembro que te rias e mudavas de assunto. Mas essa angustia, V., esse comer por dentro sem repouso, esta vontade de preencher a fala com fatos, bananas, travesseiros, isso já não tropeça mais em mim. Tá fraco, gosto de um veneno maior, um veneno que me coloca de novo no escuro do corpo escuro de um homem negro e cego, de osso escuro e velho, pedindo-me um banho. Eu vou, V., dou um banho nele sem pensar, não sei como cheguei ali, é preciso segurar o corpo passarinho para que não se quebre, não tem luz e a cama está toda suja. Se me lembro do cheiro? Não há cheiro dentro do ato. Há o ato sem quebra, sem tempero. Ali era ser Deus, V.. ]Não me pergunte, não posso falar mais sobre isso.

-Dar banho em alguém é ser Deus?

-Se banhares o corpo do outro em teu corpo, sim.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Hoje, decidi passar o dia a recortar o jornal, buscar imagens nas revistas que se acumulam na prateleira da estante, visitar os blogs de amigos próximos- ler demoradamente o que escrevem, vasculhar as revistas literárias, conhecer novos escritores. Abrir de novo o livro rabiscado. Comprar revistas novas na banca de jornal, ler as matérias atentamente, desde o índice até a capa final. Hoje,

eu só posso olhar a face que vier, até ficar com um rosto qualquer,

antes de me posicionar, demorar no olho que não é meu.

Ler todas as escritas de um dia,

pois há algo aqui. Que o pensamento ou o som de um relógio não contam

Hoje, quero a operação reversa: da bala que vai
para o corpo atingido,

Não sou a faca. Sou a mulher golpeada pelo filho

pois não compreendo
O que falta à inteligência da proximidade

Hoje, não vou acorrentar-me na febre da víscera.
Quero o corpo inteiro
fora de mim.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Na sala de aula, cadeiras em círculo e três pessoas aguardando o professor. Entra a faxineira da escola que retira o lixo e escreve na lousa:

Por um vômito da linguagem, não de si. A romper a cisterna da sintaxe,
para não mais guardar distância entre nós e as coisas.
Se tenho raiva na escrita e na fala é porque minha respiração não as separou
Como Domênico antes de botar fogo em si.
Atiça, o excesso de lucidez, atiça.
Se cheirei a face deste lixo
foi por necessidade de explodir antes que o humano se rompa
como uma caixa de tomates rolando prateleira abaixo

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Um casal come tranquilamente no restaurante quando uma criança segurando uma caixa de pano de prato vem em sua direção. Os três se olham e ouço falarem em voz alta:

Sou o humano que cheira. Se agora encolho meus dentes,

É porque há mais objetos que o necessário por aqui. Posso viver com as pontas do meu coração queimando, mas não suporto beber o chá numa xícara que não viveu.

Não se pode adubar a terra com o corpo que não é seu.

Hoje, é como se alguém muito importante tivesse morrido.
Por necessidade.


E há que se abrir as paisagens, para encontrar pessoas.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

VIDA= Espaço
EU= Levantar-se
NÓS= Esta Manhã